“CORAÇÃO DE TINTA” ESCORREGA NO VERBAL E ESQUECE A MAGIA.

A primeira cena do filme “Coração de Tinta” já dá o tom. Um narrador em off explica que existe uma categoria muito especial de pessoas – os chamados “Língua Encantada” – que têm o poder de materializar as histórias que contam em voz alta. Depois desta explicação, o personagem Mortimer (Brendan Fraser, de “Viagem ao Centro da Terra”) começa a ler a fábula de Chapeuzinho Vermelho para a filha. Logo em seguida, um capuz vermelho se materializa ao vento, vindo do nada, e pousa caprichosamente à janela do protagonista.

A pergunta que não quer calar: por que raios alguém teve a infeliz idéia de começar a cena com um narrador em off, explicando o que iria acontecer? Por que não deixar para o público o prazer da descoberta? Será que alguém (um produtor, talvez?) achou que a platéia não iria entender o enredo, e resolveu colocar uma voz misteriosa para que tudo ficasse muito bem explicadinho?

Seja qual for a resposta, o resultado é que “Coração de Tinta” é um filme que repete, durante toda a projeção, o mesmo erro da cena inicial. Ou seja, faz questão de deixar tudo explicadinho, verbaliza demais, subestima a capacidade de abstração do público, e conseqüentemente elimina aquele que deveria ser o seu maior trunfo: a magia. Só para dar um exemplo, a informação de que para cada personagem que “sai” do livro deve corresponder a um humano que “entra” na história é falada durante o filme umas 5 ou 6 vezes.

De qualquer maneira, no quesito “verbalização demais, cinema de menos”, o filme não chega a ser tão sonolento quanto “O Senhor dos Anéis”. (Pronto, falei. Agora agüenta). A trama até que é boa, e foi baseada no livro da escritora Cornelia Funk, a mesma que escreveu os livros que originou os filmes “O Pequeno Vampiro” e “O Senhor dos Ladrões”. Tudo começa quando o pacato Mortimer descobre ter o poder de trazer personagens de livros à vida real. Há um corte de tempo e logo se perceberá que tal poder acabou por separar a sua própria família, que agora precisa ser reunida numa saga através do mundo da Magia.

Faltou, porém, mais sutileza ao roteiro de David Lindsay-Abaire (que deverá escrever o próximo “Homem-Aranha”) e mais sensibilidade ao diretor inglês Iain Softley, de “Asas do Amor”.