“CORPO & ALMA”: HISTÓRIAS MARCANTES NA TELA E NOS BASTIDORES.

Por Celso Sabadin. 

Com sua charmosa decadência, muita fumaça e corrupção, o submundo do boxe é uma das ambientações preferidas e mais apropriadas para um bom filme noir. E, dentro deste segmento, “Corpo e Alma” é um verdadeiro clássico. Todos os elementos tradicionais do chamado “filme de boxe” estão lá, desde o herói ambicioso que luta – literalmente – em busca de uma vida melhor e mais glamorosa que seus humildes pais, às mulheres fatais e destruidoras de lares, passando, é claro, pelas maracutaias milionárias que envolvem este esporte. Fama, glória, traições, sangue, destruição, carreiras perdidas… impossível resistir.

Guardadas as devidas proporções, “Corpo e Alma” começa a la “Cidadão Kane”, com uma bela panorâmica que vai buscar, dentro de seu quarto, o protagonista Charley Davis (John Garfield) acordando perturbado de um sono inquieto, na noite que precede sua grande luta pelo título mundial. Em desespero, ele sai pela noite em busca do perdão de sua mãe e de sua namorada, ambos negados, ao mesmo tempo em que ficamos sabendo que um certo Ben acabara de morrer. É um início impactante, uma aula de roteiro que joga várias perguntas sobre o público, dúvidas que só serão totalmente dirimidas ao final do filme, através do belo e longo flash-back (também a la “Cidadão Kane”) que se desenvolverá a seguir.

Se a trajetória tumultuada do boxeador é uma história envolvente, não menos arrebatadores são os acontecimentos – estes sim, reais – que se desenrolaram após o lançamento do filme. O roteirista Abraham Polonsky, os atores John Garfield, Anne Revere, Lloyd Gough, Canada Lee, Art Smith e Shimen Ruskin, o produtor Bob Roberts e o diretor de fotografia James Wong Howe (na foto, filmando uma cena auxiliado por patins) foram todos acusados de atividades comunistas no triste período do Macartismo, tendo cada um deles, em menor ou maior grau, suas carreiras prejudicadas. Já o diretor Robert Rossen safou-se das acusações, delatando vários nomes.

Se por um lado “Corpo e Alma” foi uma maldição para estes profissionais, por outro vários membros da equipe acabaram transformando-se em diretores de cinema: os atores William Conrad, Sid Melton, George Tyne e Joseph Pevney, o roteirista Polonsky, o diretor de fotografia James Wong Howe, os montadores Robert Parrish, Francis D. Lyon e Gunther von Fritsch, o diretor de arte Nathan Juran, o assistente de direção Robert Aldrich  e o supervisor de roteiro Don Weis.

Vencedor do Oscar de Montagem, “Corpo e Alma” é tido como uma das maiores – senão a maior – influências recebidas por Martin Scorsese para o seu “Touro Indomável”.

CORPO E ALMA (Body and Soul, 1947, 104 min.) De Robert Rossen. Com John Garfield, Lilli Palmer e Hazel Brooks.