“CORSAGE” E O ETERNO ESMAGAMENTO FEMININO.

Por Celso Sabadin.

Muitos estranharam uma rápida cena de “Maria Antonieta” (dirigido por Sofia Coppola, em 2006), em que é possível ver um par de tênis contemporâneo no guarda-roupas de um filme ambientado no século 18. Quem estranhou provavelmente não tinha visto “Walker”, longa de 1987 em que o diretor Alex Cox coloca um computador sobre a mesa de trabalho de um personagem do velho oeste norte-americano.

“Corsage”, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta, 12/01, segue mais ou menos a mesma pegada: o filme pode ser ambientado no século que for, mas os conflitos retratados permanecem contemporâneos. E a versatilidade criativa da linguagem do cinema ajuda – e muito – a contar estas histórias. No caso, a história de Elisabeth Amalie Eugenie von Bayern, imperatriz da Áustria, na segunda metade do século 19, imortalizada no cinema na série de filmes “Sissi”, que povoou o imaginário adolescente nos anos 1950.

A Elisabeth de “Corsage”, porém, não tem nada do romantismo de Sissi: pelo contrário. O roteiro da austríaca Marie Kreutzer, também diretora do longa, mostra uma imperatriz bem mais realista, oprimida claustrofobicamente em seu inalienável direito de buscar a liberdade e a felicidade. Afinal, a máxima representante feminina do Império precisa manter, a qualquer custo, sua imagem de beleza, simpatia e submissão ao imperador Francisco José I e ao seu povo.

No filme, tal opressão é simbolizada pelo espartilho (“corsage”, em francês) da protagonista, aquela antiga peça de roupa, que mais parecia uma tortura medieval, feita para esmagar as cinturas femininas, de forma que elas aparentassem ser mais magras. É a supressão da liberdade e da espontaneidade eternamente camuflada sob as vestimentas reais, e encerrada nos limites de um palácio tão belo quanto triste. Para piorar, os filhos de Elisabeth e Francisco José seguem os mesmos passos, sem sequer imaginar que o próximo século traria consigo a derrocada política, econômica e moral dos velhos impérios europeus.

Boa parte da força do longa deve-se à ótima performance de luxemburguesa Vicky Krieps, no papel principal, que também esteve em “O Jovem Karl Marx” e “Amor e Revolução”, entre vários outros.

Coproduzido por Áustria, Luxemburgo, Alemanha e França, e pré-selecionado ao Oscar de Filme Internacional (representando a Áustria), “Corsage” encanta também tecnicamente, principalmente pelas caprichadas fotografia, direção de arte e reconstituição de época.