Crash – No Limite

Um dos piores vícios do mercado de cinema e vídeo (tanto brasileiro como internacional) é não dar muita importância aos roteiristas. Fala-se muito de atores, diretores e produtores, mas na maioria das vezes este profissional tão fundamental acaba ficando esquecido, num flagrante processo de injustiça. Por exemplo, quando Menina de Ouro ganhou os principais Oscars do ano, poucos se preocuparam em dar o devido mérito a Paul Haggis, o homem que transformou os contos de F.X. Toole num belo roteiro cinematográfico. Após vários anos escrevendo para televisão, aquela era a primeira vez que Haggis escrevia para cinema, e os resultados foram dos mais aplaudidos.
Agora, Haggis estréia na direção cinematográfica com Crash – No Limite, drama que ele próprio concebeu e roteirizou, num raro exemplo de filme autoral nascido na indústria norte-americana. A trama mistura vários personagens em várias histórias paralelas, todas acontecidas na cidade de Los Angeles. Neste sentido, a estrutura de Crash (não confundir com o filme homônimo dirigido por David Cronemberg em 1996) é muito parecida com as de Short Cuts – Cenas da Vida, e Grand Canyon, o que não tira o mérito do filme.
Logo na primeira cena, Haggis mostra dois amigos negros caminhando pelas ruas de um bairro de classe alta. Um deles, revoltado, não se cansa de reclamar da maneira pela qual os brancos o encaram: com olhos de medo. Esbraveja contra o racismo e não se conforma em provocar – inadvertidamente – atitudes preconceituosas por parte dos brancos. Quando o público está quase comprando o discurso, o roteiro dá uma guinada, praticamente um tranco, e faz com que este mesmo homem negro de fala politicamente correta saque uma arma e assalte um casal de brancos. E esta é apenas a primeira surpresa do filme.
Aos poucos, novas histórias virão, como a do homem de feições muçulmanas que briga com o dono de uma loja de armamentos, ou a da mulher branca que tem medo da própria empregada, por sinal, latina. Entre todas elas, um ponto em comum: o racismo. Seja contra negros, brancos, orientais, latinos ou árabes, não importa. Crash – No Limite é um filme adulto, de emoções fortes, com uma maturidade de direção que nos faz esquecer que se trata do trabalho de um estreante. Embora Haggis claramente beba na fonte de Paul Thomas Anderson (Magnólia), na sua forma soturna, reflexiva e cadenciada de dirigir. Vale lembrar que se em Magnólia chove sapos, em Crash neva em Los Angeles, fato tão improvável quanto a tempestade de batráquios de Anderson.
O filme ganhou o Prêmio Especial no Festival de Deauville, França, e novos troféus ainda deverão surgir em sua carreira.