“CRÔNICA DA DEMOLIÇÃO”, OU COMO A DITADURA E A GLOBO “DEMOLIRAM” PARTE DO BRASIL.

Por Celso Sabadin.

Rio de Janeiro, 1976. Um edifício público precisa ser demolido para abrir espaço às obras do metrô. O tema, aparentemente banal e corriqueiro, dá margem a um documentário dos mais instigantes, que levanta importantes questões sobre arquitetura, urbanismo, abuso de poder, história, ganância e corrupção.

O edifício em questão é o Palácio Monroe, construção de arquitetura eclética que serviu como sede do Senado Federal do início da República à mudança da capital para Brasília. Encravado numa das regiões mais valorizadas do Rio de Janeiro, o Monroe atravessou mais da metade do século 20 como pivô de uma série de discussões políticas, econômicas, sociais e urbanísticas. Dependendo de cada momento histórico, ele foi atacado por simbolizar a República Velha pré-Getúlio, ou por apresentar um estilo “mestiço” e portanto indigno da “arquitetura pura”, ou por atravancar o trânsito, ou simplesmente – e principalmente – por prejudicar os interesses da sede insaciável da especulação imobiliária. Acabou sendo demolido pela junção de duas das maiores forças destruidoras da história brasileira: a ditadura militar e as organizações Globo.

 

Todas estas histórias – e outras – são mostradas no documentário com muita fluidez, riquíssimo material de arquivo, e fartas doses de um muito bem-vindo senso crítico. Louve-se inclusive a coragem e o desprendimento do roteiro ao abordar, sem meias palavras, a ação nociva das empresas de Roberto Marinho, precisamente num filme coproduzido pelo Canal Brasil, que tem a própria Globo como sócia.

“Crônica da Demolição” é muito mais que um documentário sobre um antigo palacete que tombou diante dos implacáveis mecanismos especulativos. Trata-se de uma verdadeira aula de História do Brasil, e de um registro incontestável da mentalidade destrutiva, anti-humanística e socialmente curta de quem comanda os destinos da nação. O roteiro e a direção são de Eduardo Ades, o mesmo do sensível curta “A Dama do Estácio”. A estreia é nesta quinta, 11 de maio.