“DA AMBIÇÃO AO CRIME” VÊ A LIBERAÇÃO FEMININA COM DUBIEDADE.

Por Celso Sabadin.

O ano era 1957, o mundo já vivia aceleradamente seu processo de mudanças sociais e comportamentais do pós-Guerra, e o gênero noir dava seus últimos suspiros. É o ano de lançamento de “Da Ambição ao Crime”, longa com várias características do cinema noir, mas com uma diferença marcante: a discussão do então polêmico tema do papel da mulher na sociedade.

Kathy Ferguson (Barbara Stanwyck) é uma jornalista de sucesso. Segura e independente, ela afirma que jamais irá se casar, até o momento em que se apaixona pelo policial Bill Doyle (Sterling Hayden) e – surpresa – não apenas se casa como abandona a carreira e mergulha de cabeça na vida doméstica. Muito rapidamente, o cotidiano falso, vazio e superficial dos condomínios suburbanos de Los Angeles vão minando a sanidade mental de Kathy, que passa então a engendrar um plano diabólico para reverter a situação. Mesmo que seja através de seu marido.

Conhecido por fazer a adaptação cinematográfica da história original do clássico “Gilda”, o escritor Jo Elsinger realiza aqui um interessante trabalho de roteiro, repleto das dubiedades tão necessárias ao cinema noir. Como compreender, afinal, a personalidade da protagonista? Se nos primeiros minutos da trama ela esbanja profissionalismo e atitude mergulhada num jornal onde praticamente só trabalham homens, o que a teria feito sucumbir tão rapidamente aos encantos de um policial, a ponto de abandonar tudo? É nesta dicotomia intrínseca de Kathy que reside o ponto forte de “Da Ambição ao Crime”, na medida em que ela explicita e simboliza com vigor as dúvidas de uma nova geração de mulheres divididas entre a realização pessoal via profissional, e o peso de várias gerações de condicionamentos e pressões machistas. Como proceder, em 1957, uma dúzia de anos após o término de uma guerra mundial onde as mulheres arregaçaram as mangas e provaram suas forças de trabalho?

Sem querer dar spoiler, os rumos que a protagonista toma em seu processo de ambição se revestem de características de violência e desequilíbrio mental, passando igualmente para o público uma nova mensagem de dubiedade: seria a vida doméstica tão insuportável a ponto de quase enlouquecer uma mulher esclarecida, ou lutar contra os arraigados posicionamentos masculinos da época seria, efetivamente, um desequilíbrio a ser punido? Afinal, o policial que, no começo do filme, diz claramente que a função da mulher é esperar o marido com o jantar pronto, é exatamente o que será beneficiado na dança das cadeiras do poder, no final das contas.

Enfim, se uma das fortes marcas do filme noir são os paradoxos comportamentais e éticos dos seus personagens, por que não um roteiro igualmente dicotômico?

“Da Ambição ao Crime” tem direção de Gerd Oswald que pouco mais tarde seria um prolífico diretor de importantes seriados de TV dos anos 50 e 60, incluindo Perry Mason, com Raymond Burr, que também atua neste longa. O filme está na caixa Film Noir vol. 10, da Versátil.