“DE QUEM É O SUTIÃ?”, UMA TERNA ALEGORIA SOBRE A SOLIDÃO.

Por Celso Sabadin.
 
Se não fosse pelo cinema, de que maneira eu poderia ficar sabendo da existência de Khinaliq, uma minúscula vila isolada em meio a belas montanhas do Azerbaijão? Visualizar o vilarejo é apenas um dos presentes oferecidos pelo delicioso “De quem é o Sutiã?”, longa vencedor de três prêmios no Festival de Avanca, Portugal.
 
Em clima de fábula, o filme mostra o cotidiano de um lugarejo parado no tempo e no espaço, em algum lugar perdido nas alturas do mundo. É ali que, todos os dias, um garotinho sai de sua casinha de cachorro apitando para que os esparsos moradores da vila abram espaço para o trem passar. Os homens com seus jogos de tabuleiro e as mulheres com suas roupas estendidas no varal rapidamente se mobilizam para tirar tudo da rota da poderosa locomotiva que – imponente – rasga os caminhos do lugar, como faz todos os dias.
Atento, o condutor da grande máquina elétrica (Predrag ‘Miki’ Manojlovic) cumpre sua tarefa diária com determinação. E sempre com o cuidado de devolver aos donos eventuais peças de roupa que seu trem possa ter colhido pelo caminho. Até o dia em que vem a inevitável aposentadoria, e o condutor terá de enfrentar não mais os obstáculos dos trilhos, mas a sua própria solidão. A menos – talvez – que um misterioso sutiã perdido lhe dê alguma esperança.
 
Coproduzido por Alemanha e Azerbaijão, “De quem é o Sutiã?” é muito mais que um filme sobre um homem em busca da dona de uma peça de roupa perdida. É na verdade a representação simbólica de uma obsessão, de um medo provocado pela repentina tomada de consciência da sempre solitária condição humana. Tudo visto sob um prisma alegórico, fora do registro realista, que escancara o poder da imagem sobre as muletas verbais. Puro cinema, com direito a fotografia e direção de arte de encher os olhos.
 
Provavelmente influenciado pelo premiado holandês “O Homem da Linha” (Jos Stelling, 1986), o diretor alemão Veit Helmer imprime ao seu longa um bem-vindo sabor agridoce de drama e comédia, de conto de fadas e realidade. Uma experiência das mais recompensadoras.