DESPRETENSIOSO, “O AMOR DE CATARINA” É UMA BOA SURPRESA.

Por Celso Sabadin. 

Uma mulher deprimida e submissa que tem no mundo imaginário das telenovelas a única fuga que lhe permite, pelo menos por alguns instantes ao dia, escapar de sua tediosa realidade. A ideia pode não parecer das mais originais, principalmente quando nos lembramos de Woody Allen e sua “A Rosa Púrpura do Cairo”. Mas mesmo assim o mote rendeu um longa atrativo e repleto de acertos: “O Amor de Catarina”.

Trata-se de uma produção paranaense que começou a nascer em Salvador, mais precisamente em 2008, quando seu roteiro foi selecionado para participar da oficina “Produire Au Sud”, no Seminário Internacional de Cinema da Bahia. Sob o título ainda provisório de “O Amor de Catarina e a Caixa de Sapatos”, o filme só começou efetivamente a ser produzido em 2014, teve seu nome reduzido e seu orçamento enxugado para 180 mil reais, vindos do Prêmio Estadual de Cinema e Vídeo do Paraná, de 20012 (estímulo que, ao que parece, infelizmente não existe mais naquele estado). Deu certo: o diretor Gil Baroni, que em 2009 havia codirigido com Monica Rischbiter o documentário “Brasil Santo – Retratos da Fé”, soube driblar com eficiência os baixos recursos financeiros, compensando-os com ótimas interpretações e uma mistura esperta de drama e comédia.

Ambientado numa era pré-internet e celulares, “O Amor de Catarina” é protagonizado por Rose (Gleice Barros), uma dona de casa oprimida por um marido ausente, uma filha adolescente rebelde e um cotidiano insuportável. É somente com o apoio sempre alto astral da grande amiga Dolores (Ciliane Vendruscolo) e com o escapismo da telenovela que leva o título do filme que Rose consegue respirar alguns momentos de alegria fugaz. É preciso dar um basta, mas a entristecida mulher não sabe se terá força para mudar de vida. Ou pelo menos tentar.

Provavelmente o maior acerto de “O Amor de Catarina” foi ter optado pela despretensão, ingrediente indispensável neste tipo de produção pra lá de independente. O filme não busca grandes momentos de redenção, nem reviravoltas mirabolantes. Pelo contrário, baseia sua dramaturgia num humor irônico e numa simplicidade das mais bem-vindas. Como que sublinhando as claustrofóbicas vidas de seus protagonistas, “O Amor de Catarina” trabalha basicamente com cenas de estúdio e planos fechados, utilizando ainda uma cenografia carregada de antiguidades e simbolismos do passado que ajudam na composição de seus personagens, eles próprios igualmente presos a amarras de seus próprios passados.

É um filme para ver e ouvir de olhos e ouvidos atentos. Áudios de comerciais antigos (difícil saber quando são reais ou quando são sátiras), o som da televisão sempre presente, impagáveis anúncios de enceradeira (quem lembra o que é isso?) e até uma singela flautinha de amolador de facas compõem um rico universo sonoro que alicerça a ação. A clássica revista de fotonovelas “Grande Hotel” se transforma em “Grand Motel”, várias cenas que exploram espelhos e reflexos em vidro criam uma atmosfera de sonhos e insegurança, ao mesmo tempo em que a reprodução dos clichês históricos das telenovelas fazem um pano de fundo repleto de humor e ironia.

Parte da mídia tem se referido a “O Amor de Catarina” como sendo o novo filme de Kéfera Buchmann. Bobagem. Esqueça. Ainda que seu papel seja de destaque, é até perigoso relacionar o desastroso “É Fada!” com a boa surpresa que é “O Amor de Catarina”. Mesmo porque se o filme for de alguém, ele é de Gleice Barros, que simplesmente arrasa no papel principal.

A estreia foi nesta quinta, 18 de novembro.