“DIÁRIOS DE CLASSE” ESCANCARA A CONTUNDENTE SITUAÇÃO DOS EXCLUÍDOS.

Por Celso Sabadin.

Como pode existir imparcialidade para os empregados se nos três poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – só tem patrões? Esta é apenas uma das questões que o tristemente verdadeiro documentário “Diários de Classe” aborda sem rodeios. O filme escancara o aparentemente intransponível abismo sociocultural que separa os incluídos e os excluídos da nossa sociedade, utilizando para isso o enfoque do ensino.

Nas salas de aula de uma penitenciária e em escolas da periferia de Salvador, “Diários de Classe” acompanha o cotidiano de três personagens – Tifany Moura, Vânia e Maria José –  mulheres negras e marginalizadas pelo histórico contexto racista da sociedade brasileira.

Tifany busca fazer valer seus direitos de transexual; Vânia, em prisão preventiva, tenta decifrar o Código Penal para compreender a própria situação, já que no poder público não encontra ninguém que a auxilie; e Maria José procura conciliar seu emprego de doméstica com os estudos. Ao mesmo tempo que as histórias têm em comum a exclusão de oportunidade e o preconceito derivados de relações de poder e opressão, “Diários de Classe” revela mulheres com uma disposição extraordinária para refletir e agir contra as posições sociohistóricas forçosamente impostas.

O longa também levanta uma reflexão urgente diante das recentes Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação, uma vez que se prevê a realização de até 20% da carga horária do Ensino Médio na modalidade de Educação à Distância (EaD) e, no caso da Educação para Jovens e Adultos (EJA), essas escolas onde o filme se passa, se permite que até 80% do curso seja extra-presencial. Isto é, praticamente se extingue os encontros presenciais e provocadores também responsáveis pela formação crítico sobre a realidade que esses alunos das EJA’s estão inseridos.

É particularmente dolorida uma cena na qual alunos carentes discutem questões relacionadas aos mais diversos tipos de preconceitos, e um dos estudantes, com ares de superioridade e prepotência, interrompe dizendo: “Eu não tenho nada contra homossexuais…. mas eu tenho conhecimento das escrituras sagradas. E é preciso saber o que dizem as escrituras sagradas”.

Os males que a cultura evangélica tem causado ao Brasil nas últimas décadas são tão avassaladores que talvez nunca haja sequer tempo para que isso seja estudado suficientemente: o país afunda antes.

“Diários de Classe” é o segundo trabalho dos diretores Maria Carolina e Igor Souza, sendo a primeira o curta de animação “Entroncamento” (2015). O longa participou do 50º Festival de Brasília, 2º Mostra de Cinema Contemporâneo do Nordeste, 7º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba