DIREÇÃO E INTERPRETAÇÕES SÃO OS PONTOS ALTOS DE “APENAS UMA CHANCE”.

Muitas vezes, uma história simples (digamos, até convencional), porém dirigida e interpretada com muito talento, pode ser o suficiente para se fazer um grande filme (digamos, até inesquecível).

É o caso de “Apenas uma Chance”, uma coprodução anglo-americana que conta a história real de Paul Potts. Quem? Bom, talvez Paul Potts não seja realmente um nome conhecido por aqui, mas os britânicos certamente se lembram dele, por motivos que eu não posso contar, para não estragar o final do filme.

Potts (James Corden) é um rapaz tímido, apaixonado por ópera. Sabe tudo sobre o assunto e tem grande talento para o canto lírico. Mas o que fazer com todo este entusiasmo e toda esta habilidade quando se é apenas o filho de um humilde operário, perdido num canto qualquer do País de Gales? É isto que “Apenas uma Chance” vai mostrar.

O que encanta no filme não é apenas a sua trama (muito parecida, inclusive, com a de Billy Elliot), mas a belíssima construção de personagens proporcionada pelo diretor David Frankel, o mesmo de “O Diabo Veste Prada”. Mesmo num roteiro que é marcadamente centrado num único protagonista principal, Frankel constrói aqui uma galeria de coadjuvantes que nos apaixonam à primeira vista. Desde os pais de Potts (ninguém menos que Colm Meaney e Julie Walters), passando pela sua namorada (Alexandra Roach, que viveu a jovem Tatcher em “A Dama de Ferro”), pela sua parceira italiana (a siciliana Valeria Billelo, hipnótica) e chegando até o seu impagável chefe na loja de celulares (Mackenzie Crook roubando a cena), todos, sem exceção, são personagens de refinada construção e impecáveis interpretações.

Algumas cenas, principalmente na primeira parte do filme, mostram que, por mais que o roteiro seja classicão, é sempre possível fazer cinema da melhor qualidade. Logo nos créditos iniciais, por exemplo, uma bela sequência de Potts, fugindo de seus perseguidores enquanto os anos passam, retrata com talento e bom humor a mesmice de sua pequena e ignorante cidade em contraposição à sua persistência e determinação.

Um pouco depois, outra pérola: durante uma refeição, Paul, isolado do mundo através de seus fones de ouvido, rege mentalmente uma ópera usando a faca como batuta, sob os olhares de desaprovação de seu pai. A faca é tomada bruscamente de sua mão. Paul não se abala, e usa o garfo. O pai desliga a ópera. Paul olha feio mas não diz nada. Atrás de ambos, na cozinha, a mãe presencia a tudo e liga o rádio alto. Evidentemente numa ópera. O pai, enfurecido, sai da mesa. E Paul não apenas volta a reger sua ópera como, debochadamente, ainda rouba um pedaço de comida do prato que o pai abandonou à mesa. Sem uma única palavra, a cena, de poucos segundos, fala mais sobre as relações da família Potts que um tratado de psicologia. É cinema em seu estado puro.

E é com este tipo de requinte, tanto narrativo como visual, que “Apenas uma Chance” se desenvolve até o tal daquele final que eu não posso contar. Mas posso dizer que a cena-chave do filme foi fielmente reproduzida, plano a plano, a partir da cena real, que pode ser conferida no You Tube, para efeito de comparação.
Mas, fica a dica, só faça isso após ver o filme.