DO MESMO AUTOR DE “JANELA INDISCRETA”, “DAMA FANTASMA” SAI EM DVD.

Por Celso Sabadin.

A Versátil está lançando mais uma caixa repleta de deliciosos filmes noir dos anos 40 e 50. Um dos destaques deste segundo volume é “Dama Fantasma”, de 1944, filme que começa em clima de total mistério mistério. Um homem e uma mulher, ambos visivelmente perturbados, se encontram num bar. O homem, aborrecido por ter “levado um fora”, convida a mulher para um show, para não desperdiçar os ingressos que ele já havia comprado. Ela aceita sob uma condição: sem perguntas, sem nomes. Ambos saem então pela abafada noite novaiorquina e assistem a uma apresentação de música latina (comandada por Aurora Miranda, irmã de Carmen Miranda). No palco, a estrela do show se irrita com a mulher, na plateia, por um motivo dos mais frugais: ambas têm chapéus idênticos. Tudo sob o curioso olhar de um estranho baterista. Falando assim, parece até filme de David Lynch.

Homem e mulher saem do show e se despedem de acordo com as regras dela: sem nomes nem perguntas. Ao voltar para casa, uma tragédia aguarda o homem até então sem nome, dando início a uma intrigante trama policial repleta dos deliciosos elementos típico dos film noir dos anos 40.

“Dama Fantasma” é o primeiro roteiro filmado de Bernard Schoenfeld, que pouco depois migraria para a televisão, onde participaria dos roteiros de seriados como “Combate”, “Mannix”, “Além da Imaginação”, “Alfred Hitchcock Presents” e outros. O argumento foi baseado num dos vários romances que Cornell Woolrich escreveu sob o pseudônimo de William Irish. São dele também os livros que originaram os filmes “Morte ao Amanhecer”,” Anjo Diabólico”, “A Noiva Estava de Preto” e muitos outros. Mas certamente o trabalho mais marcante de Woolrich é o seu pequeno conto que originou o grande “Janela Indiscreta”.

A direção de “Dama Fantasma” é do alemão Robert Siodmark,  que mais tarde realizaria os premiados “Assassinos”, “Quando o Amor é Pecado” e “A Grande Paixão”, destaques entre sua vasta obra de quase 60 longas. Nota-se no trabalho de Siodmark, e “Dama Fantasma” não é exceção, uma bem-vinda influência do Expressionismo Alemão, que levou ao Noir americano contornos mais trágicos, temas mais soturnos, personagens mais perturbados e um contraste branco/preto mais marcante.

Há aqui recursos estilísticos dos mais expressivos e fortemente cinematográficos, como a cena do julgamento, conduzida através das expressões do público, sem jamais mostrar advogados, juízes ou até mesmo o réu. Ou a relação sexual sugerida pelos intensos e ofegantes movimentos do baterista enquanto toca seu instrumento sendo estimulado pelos olhares lascivos da mulher que pretende levar para seu apartamento.

Notem-se também pequenos detalhes irônicos, como o fato do vilão, um homem mentalmente perturbado que se considera genial, ter em sua casa uma reprodução do quadro “Auto Retrato com Orelha Cortada”, de Van Gogh. Um vilão que, diga-se de passagem, também tem conexões com o Rio de Janeiro, como era moda aos vilões dos antigos filmes americanos.

O papel principal é de Alan Curtis, ex-modelo que conseguiu alcançar uma boa posição em Hollywood (onde atuou em mais de 50 filmes em 15 anos de carreira), mas faleceu prematuramente aos 43 anos. A fiel funcionária apaixonada que vai tentar salvá-lo da morte é Ella Raines, de fortíssima presença na tela, mas que nunca chegou ao primeiríssimo time das estrelas. E o ótimo vilão é Franchot Tone, indicado ao Oscar por “O Grande Motim”.