“DO OUTRO LADO DO PAVILHÃO” E “ECO DE LUZ” EM NOITE DE DOCs NO CINECEARÁ.
Por Celso Sabadin, de Fortaleza.
A noite desta segunda-feira, 22/09, na Mostra Competitiva Ibero-Americana de Longas Metragens do 35º Cine Ceará foi dedicada aos documentários. Foram exibidos o brasileiro “Do Outro Lado do Pavilhão”, de Emilia Silveira; e o equatoriano “Eco de Luz”, de Misha Vallej Prut.
“Do Outro Lado do Pavilhão” fixa-se em duas mulheres – Érica e Núbia – que se conheceram na prisão e continuaram a manter contato e amizade, após libertadas.
A construção do que elas chamam de “família”, dentro do sistema prisional, e a consequente criação de uma rede de suporte e apoio, tanto dentro como fora da cadeia, é um dos esteios do longa. Fala-se em “irmãos e irmãs de cadeia” com o mesmo afeto (ou talvez até maior) do que se falaria sobre irmãos e irmãs de sangue. Denunciam-se as condições sub-humanas do sistema prisional, e a superpopulação carcerária, causada pela falta de acesso das prisioneiras aos seus diretos legais.
Érica e Núbia, personagens de “Do Outro lado do Pavilhão”.
A discussão de temas tão importantes, contudo, acaba se diluindo em uma narrativa monocórdica acentuada por uma montagem pouco dinâmica que permite redundâncias e planos de durações propícias a dispersar as atenções da plateia.
Não é tarefa fácil sustentar um longa documental com apenas dois personagens.
Já “Eco de Luz”, de Misha Vallej Prut, apoia-se no relato pessoal e na magia das fotografias familiares para desenvolver suas premissas. Sim, quem acompanha o gênero sabe que virou quase uma pandemia cinematográfica a produção de documentários em primeira pessoa, enfocando avôs, avós, país, mães ou outros familiares.
Mesmo assim, este “Eco de Luz” tem seu charme especial e diferenciado.
Tudo começa quando o próprio diretor do longa, meio que inadvertidamente, faz uma espécie de descoberta arqueológico-familiar-sentimental: uma série de fotografias tiradas por seu avô, que jamais conheceu. Tampouco ninguém da família sabia da existência de tais fotos.
A ideia de fazer um documentário a partir desta descoberta, tentando criar uma ponte audiovisual entre passado e futuro, buscando uma conexão com o familiar desconhecido, evidentemente não é das mais surpreendentes. Porém, os caminhos percorridos por Vallej para realizá-la são dignos de nota, e dos mais eficientes para fazer do filme não apenas uma catarse pessoal, como também captar o envolvimento da plateia.
Num primeiro momento, o cineasta apoia-se nas lembranças – ou na falta delas – de sua avó para tentar saber quem são as pessoas e quais são as situações retratadas nas fotografias descobertas. Nada. Memória zero. Ele passa então a prescrutar as relações desta sua avó remanescente com o avô misterioso para chegar num padrão familiar de gerações de ausências paternas. No processo, redescobre o próprio pai, com quem buscará limpar a relação, diante das câmeras.
Pelo caminho, trabalha artisticamente as fotos encontradas, provocando e causando projeções – tanto psicológicas como literais – em sua distante geografia de menino que há muito tempo abandonara.
Um belo trabalho apenas com um pequeno senão: nós, críticos de cinema, defendemos a ideia que devemos sempre criticar o filme feito, e não o filme que gostaríamos de ter visto. Mas neste caso fica muito claro que “Eco de Luz” tem um momento perfeito para ser encerrado… e ele acontece uns dez ou 15 minutos antes do encerramento real do longa.
É raro, mas acontece muito em filmes familiares: o cineasta se apaixona pela sua obra e reluta em finalizá-la.
A programação completa do 35º Cine Ceará está em cineceará.com
Celso Sabadin cobre o Cine Ceará a convite da organização do evento.