“DO SUL – A VINGANÇA” E “OS TRÊS REIS”: RESISTÊNCIA E UMA SAUDÁVEL INGENUIDADE MARGINAL.
Por Celso Sabadin.
Parece lógico, aceitável e até recomendável que a crítica de cinema sempre seja orientada pela qualidade dos filmes. Aliás, na contra mão de um certo pensamento conservador que defende a ideia de que o cinema era melhor em décadas anteriores, particularmente eu gosto bastante desta nossa contemporaneidade fílmica.
Quando alguém me diz que “já não se fazem mais filmes como antigamente”, eu respondo: “ainda bem, né?”. O antigamente já passou; abramos os olhos ao novo.
Bom, toda essa viagem pra dizer que dois filmes brasileiros que vi esta semana chamaram bastante a minha atenção: “Do Sul – A Vingança” e “Os Três Reis”. Os motivos pelos quais eles despertaram meu olhar não estão relacionados às qualidades cinematográficas de ambas as produções, mas sim às suas origens: “Do Sul – A Vingança” está sendo anunciado como o primeiro longa metragem feito no estado de Mato Grosso do Sul, informação que eu não chequei. E “Os Três Reis” é uma realização de Santa Branca, cidade do interior paulista cuja população equivale aproximadamente a 1/3 da capacidade da Neo Química Arena (e não há nenhum demérito nisso).
São filmes que eu recomendaria aos meus amigos? Não. Mas eles merecem o nosso olhar e a nossa reflexão. Em primeiro lugar por quebrarem a hegemonia dos grandes centros, trazendo novos ares ao nosso circuito. Em segundo lugar por terem conseguido – sem astros, estrelas ou cineastas midiáticos – a proeza de chegar às telas de cinema, num país onde as poucas salas são dominadas por empresas estrangeiras, há mais de um século.
Vale, assim, lançar um olhar atento sobre ambos, e tentar verificar que caminhos eles apontam para o nosso cinema, se é que apontam.
DO SUL – A VINGANÇA
Com roteiro de Edson Pipoca e do também diretor do filme Fábio Flecha, “Do Sul – A Vingança” é uma sátira político-policial à região sulmatogrossense situada na confluência da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Bolívia, cenário de conflitos históricos.
O ponto de partida é Lauriano (Felipe Lorenço), jornalista carioca famoso por escrever livros-reportagem policiais. Incentivado pelo seu editor a viajar para Mato Grosso do Sul, para uma pesquisa, ele se vê enredado por uma trama criminosa que envolve traficantes, políticos, guerra entre facções e um bocado de sangue.
Como acontece muito com filmes da Coreia (do sul), o longa trafega com total desenvoltura por entre os velhos e bons gêneros cinematográficos, do drama ao policial, da aventura à comédia, flertando ainda com o western. Mescla também o preto e branco ao colorido, sem medo de estilizar, nem de exagerar na violência gráfica.
Há várias cenas que são o mais puro suco de netflix, ou seja, com personagens conversando longamente, se explicando entre si (e obviamente para o público) o que afinal está acontecendo na trama, caso não esteja muito claro na narrativa. A influência de interpretações telenovelescas também é bem clara.
O filme é divertido quando não se leva a sério, e esquisito quando se leva, embora seja difícil saber quando ele se leva, e quando ele não se leva.
A participação cômica do veterano astro sulmatogrossense David Cardoso, conhecido nacionalmente nos anos 1970 e 80 como o Rei da Pornochanchada, já pode ser considerada antológica.
O filme estreia em salas de São Paulo, Guarulhos, Andradina, Rio de Janeiro, Campo Grande, Ponta Porã, Aquidauana e Curitiba.
OS TRÊS REIS
Na contra mão do sangue e da violência “Os Três Reis” aposta no drama familiar e na comédia. Totalmente realizado no interior paulista e filmado em Santa Branca, o filme acompanha a trajetória de três irmãos em busca do último desejo da mãe deles.
São eles o prisioneiro Baltazar (Murilo Meola), o mecânico Gaspar (Giovanni Venturini, ótimo), e o enfermeiro Belchior (Rodrigo Dorado). A bordo de um fusca amarelo conversível roubado/emprestado, eles viajam pela região de Santa Bárbara do Oeste e Ribeirão Preto, onde se enroscam em situações permeadas por shows sertanejos.
Com roteiro e direção de Steven Phill, “Os Três Reis” tem um ótimo e cativante início no qual constrói e apresenta seus protagonistas de maneira exemplar, perdendo-se gradativamente no decorrer da trama, na medida em que abre situações com as quais não consegue lidar satisfatoriamente.
A estreia em cinemas está agendada para o próximo dia 5 de junho.
LEMBRANDO PAULO EMÍLIO
Independente de qualidade e defeitos, “Do Sul – A Vingança” e “Os Três Reis” apontam para um estilo naif, repleto de tentativas e imperfeições que são historicamente congênitas do nosso cinema. Padecem do mal contemporâneo mundial de entupir nossos ouvidos com trilhas musicais que jamais cessam, desprezando o inestimável valor do silêncio. Como já é de praxe na nossa produção, usam e abusam do excesso de verbalização, como que não confiando na construção das próprias imagens e buscando sempre tal muleta vocabular. E, como já foi dito, desafiam as estruturas viciadas da distribuição, comendo pelas beiradas do nosso não menos viciado circuito exibidor. Em última instância, são marginais, não no sentido da marginalidade fílmica do deboche histórico pós-1968, mas no sentido da luta desafiadora de encarar os vingadores e velozes & furiosos da vida.
São filmes que me fizeram lembrar do famoso pensamento de Paulo Emílio Salles Gomes que afirmava – com razão – que o pior filme brasileiro diz mais sobre nós mesmos que o melhor filme estrangeiro.