DOCE E DELICADO, “UMA FAMÍLIA EM TÓQUIO” REVISITA OZU COM TALENTO E SENSIBILIDADE.

Quando Yasujiro Ozu (1903-1963) realizou, em 1953, seu 42º longa metragem, o clássico “Era uma Vez em Tóquio”, Yoji Yamada, então com 22 anos, ainda era um estudante na Universidade de Tóquio. Agora, meio século depois, Yamada se mete num desafio traiçoeiro: refilmar esta obra prima de Ozu e, consequentemente, se submeter às inevitáveis comparações com um dos maiores mestres do cinema japonês. Corajoso esse Yamada. E, acredite: ele se saiu muito bem no desafio.

Creio que nunca havia usado a palavra “doce” para classificar um filme do qual escrevi uma crítica. Mas é justamente este adjetivo o que mais me veio à cabeça durante as duas horas e meia de intenso prazer que tive ao ver este “Uma Família em Tóquio”, de Yamada. Doce. Doce é a viagem que o casal de idosos Shukichi e Tomiko empreende, de Hiroshima a Tóquio, para rever seus três filhos que há tempos saíram do interior em busca de melhores condições de vida na capital. Um tema universal.

O filme é sobre dicotomias. O velho e o novo, o jovem e o velho, a capital e o interior, o estresse e a paz. O choque de gerações é pulsante, mais ainda do que retratado no filme de 1953. Aqui, temos um pai mais duro, mais autoritário e sisudo, que se contrapõe ao filho mais novo, Shoji, que prefere levar a vida como cenógrafo freelancer e viver cada dia “sem obsessão pelo futuro”, no dizer de um dos personagens. O comportamento é inaceitável para o patriarca, que certamente comeu o pão que Truman amassou no período do pós-guerra, e não consegue admitir uma vida sem trabalho rígido.
A filha do meio, Shigeko, é proprietária de um salão de beleza, e prefere pagar para que os pais fiquem num hotel a hospedá-los em casa. Por mais que a opção venha carregada de boas intenções, é tocante a sensação de abandono. Enquanto isso, o primogênito, Koichi, um grisalho médico respeitado e, teoricamente, o que mais seguiu os passos paternos, tampouco consegue sequer um domingo de folga para um passeio. É preciso que surja uma personagem fora do núcleo familiar para arejar esta situação, mesmo que seja um pouco tarde demais.

A cenografia ratifica o sufoco das relações ao mostrar os ambientes de Tóquio entulhados de objetos. Não há uma mesa, uma prateleira que não esteja totalmente ocupada. Quase não há espaço para mais nada nos pequenos e caros imóveis da capital japonesa. Tanto o salão de beleza de Shigeko como a clínica de Koichi dividem o espaço com suas respectivas moradias. Tudo é claustrofóbico, vive-se no limite.
O patriarca Shukichi desabafa para um velho amigo que, “em algum momento, este país se perdeu”. Mas não permite que o jovem filho teça críticas contra o Japão. Em meio a este caos contido e respeitoso, onde as emoções jamais explodem, emerge a figura iluminada da mãe Tomiko em sua infinitas calma e compreensão. É ela o “doce” do filme. Dona de um sorriso eterno e um olhar da mais profunda compaixão, ela é, silenciosamente, o esteio da família, o elo forte que se pretende frágil.

Os puristas certamente não estranharão “Uma Família em Tóquiio”, ao compará-lo com “Era uma Vez em Tóquio”. Ainda que haja algumas diferenças na composição dos personagens (no primeiro filme, por exemplo, Shoji só é citado, pois havia morrido na guerra anos antes), estruturalmente Yamada segue respeitosamente a linha do mestre Ozu. Há inclusive alguns diálogos idênticos entre ambos, ainda que, obviamente, a história teve de ser atualizada para os dias de hoje.

Com “Uma Família em Tóquio”, Yamada dá continuidade, dignamente, aos caminhos do consagrado cinema de Ozu.

IMPORTANTE: SÓ VEJA O TRAILER ABAIXO – COM SPOILERS – APÓS TER VISTO O FILME.