DOCUMENTÁRIO “PASTOR CLÁUDIO” CONFIRMA QUE A DITADURA DE 64 JAMAIS TERMINOU.

Por Celso Sabadin.

Antes de mais nada, é bom deixar claro: “Pastor Cláudio”, dirigido por Beth Formaggini (a mesma de “Memória para Uso Diário”) não é um filme sobre o passado, do tipo “uma advertência para que fatos assim nunca mais se repitam”. Não. O documentário busca no passado uma linha narrativa para mostrar que nada mudou no nosso presente, e que continuamos sob um forte estado de ditadura cruel e violenta empreendida por uma eterna elite empresarial brasileira que se recusa a largar o osso do poder, independente de quem comande o Palácio do Planalto. Uma ditadura fortemente instalada nos bastidores do poder, e que tampouco tem a ver com o atual governo: ela já existia antes de 64, foi potencializada durante aquele golpe, continuou a existir e atuar com violência na era democrática, permanece vigente (agora num país capitaneado por um desequilibrado emocional, o que é ainda mais perigoso) e está muito acima das estruturas convencionais da política brasileira. Trata-se de uma ditadura empresarial, que na época dos militares atendia por nomes como Sudameris e Mercantil, razões sociais que hoje desapareceram, mas cujos conceitos básicos do lucro a qualquer custo continuam mandando e desmandando em nossa sociedade, seja lá sob qual alcunha operem.

Um pouco disso – e mais – pode ser constatado no documentário, na realidade uma grande entrevista com o “Pastor Cláudio”, forma como atualmente prefere ser chamado o ex-delegado Cláudio Guerra, que durante os nossos Anos de Chumbo não só executou vários ativistas da esquerda brasileira, como também era um dos principais responsáveis pelas operações governamentais de ocultamento de cadáver através da incineração dos corpos que lhes eram enviados.

As confissões deste criminoso em liberdade (beneficiado pela polêmica lei da Anistia, de 1979) não são exatamente uma novidade. Muito do que o filme traz já havia sido revelado em seu livro “Memórias de uma Guerra Suja”, do próprio Guerra, e nos depoimentos por ele prestados à Comissão da Verdade. O que mais estarrece é, em primeiro lugar, a maneira como o depoente narra as mais terríveis atrocidades por ele cometidas, como se estivesse contando como foi seu passeio matinal do parque e, num segundo momento, a forma como quase nada mudou, mesmo depois da saída dos militares no poder. O longa contextualiza enfaticamente este pesadelo brasileiro que, ao que parece, jamais terá fim. E, pior: que promete ganhar ainda mais fôlego neste nosso novo governo lambe-coturnos.