DOCUMENTÁRIO SOBRE MARIA CALLAS RETRATA ÉPOCA EM QUE ERA PRECISO TER ALGUM TALENTO PARA SER CELEBRIDADE.   

Por Celso Sabadin.

Houve um tempo em que celebridades eram aguardadas pelos repórteres e fotógrafos aos pés da escada de desembarque dos aviões, e as entrevistas eram concedidas na própria pista de pouso, sem assessores de imprensa ditando regras. Houve um tempo em que entrevistados de programas de televisão falavam algo próximo do que realmente estavam pensando e sentindo, sem nenhum “coach” que as treinassem. E – inacreditável! – houve um tempo em que alguém, para se tornar celebridade, deveria ter algum tipo de talento.

Talvez os mais jovens tenham dificuldades em entender tudo isso, mas é este o tempo retratado em “Maria Callas em Suas Próprias Palavras”: um momento distante na história do século 20 no qual talento e sinceridade ainda tinham algum valor para a mídia. Estreia de Tom Volf na direção, o longa documenta a vida e a carreira de María Kekilía Sofía Kalogerópulu, ou simplesmente Maria Callas, nova-iorquina de pais gregos que ganhou fama mundial ao se transformar na maior soprano do século 20.

Como já adianta seu próprio título, o filme é focado em entrevistas concedidas pela biografada, seja em programas de rádio e TV, seja em mídia impressa e cartas (onde a atriz francesa Fanny Ardant lhe empresta a voz). E é neste ponto que ele se diferencia dos demais documentários do gênero: no despojamento sincero de Callas. A diva não se furta em abertamente lamentar as pressões que sofreu da mãe no sentido de se tornar cantora lírica, não esconde seu desapontamento em abrir mão de uma vida mais sossegada para correr atrás de um estrelato que talvez nem ela mesma desejasse, e abertamente escancara sua frustração por não ter se casado com sua grande paixão, o milionário Aristoteles Onassis. Maria Callas parecia não ter filtros.

Retratar com impacto e sensibilidade o contraste entre a tristeza de Callas e o glamour do mundo da ópera é um dos grandes méritos do filme. O outro é não se deixar levar pela fragmentação da moderna edição de imagens e se permitir brindar o público com belíssimas árias integrais, em plano único, que fazem o deleite mesmo de quem não é especialmente entendido em canto lírico.

Um belíssimo registro tanto de uma personalidade, como também de toda uma época.