DUAS DISTOPIAS PERTURBADORAS ESTREIAM NOS CINEMAS

Por Celso Sabadin.
Na última quinta-feira, 25/04, chegaram aos cinemas brasileiros dois dramas distópicos premiados e perturbadores: “Clube Zero”, sobre jovens, e “Plano 75”, focado no universo da terceira idade.
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CLUBE ZERO
Os países produtores de “Clube Zero” parecem uma comissão da ONU: Alemanha, Áustria, Catar, Dinamarca, França e Reino Unido uniram esforços para levar às telas a história da professora Novak, interpretada pela australiana Mia Wasikowska, de “A Ilha de Bergman” e da versão timburtoniana de “Alice no País das Maravilhas”. Ela convence um pequeno grupo de alunos que a melhor forma de se alimentar é com bastante vagar. Até aí, tudo bem. Porém, conquistada a confiança destes estudantes, ela parte para experiências mais radicais. Daí para o fanatismo é um pulo.
Certamente a intenção do roteiro de Géraldine Bajard e da própria diretora do longa, Jessica Hausner, não é discutir alimentação, mas sim o poder de manipulação que determinadas – e várias – seitas fanáticas exercem sobre a juventude. Sejam tais seitas religiosas, políticas ou ambas. Mais que isso: o cerne de “Clube Zero” é mostrar/alertar/ denunciar como as pautas humanistas vêm sido sistematicamente apropriadas por grupos conservadores como ferramentas de divisão e desestabilização de ideologias mais progressistas.
No filme, por exemplo, a questão da sustentabilidade é distorcida para ser recorrente e falsamente evocada pelos desvairados de plantão. A estratégia está longe de acontecer apenas na ficção.
O estilo de direção da austríaca Jessica Hausner (de “Little Joe: A Flor da Felicidade”) dá a “Clube Zero” um ar de ficção social futurista, dirigindo seus personagens de forma sutilmente robótica e asséptica, e criando planos e enquadramentos rigidamente planejados que lembram o estilo do genial sueco Roy Andersson. Todos os gêneros sexuais se vestem exatamente com o mesmo uniforme escolar.
A gritante paleta de cores e a dissonante trilha musical são dois capítulos a parte, nos transportando para uma irrealidade que sugere, sim, um futuro, ainda que bem breve. Brevíssimo.
Selecionado para a Mostra Competitiva de Cannes. “Clube Zero” está em cartaz em cinema de São Paulo, Aracaju, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Ribeirão Preto, São Luís e Salvador. Em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, a estreia é prevista para o dia 2 de maio.
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PLANO 75
Já “Plano 75” é coproduzido por Japão, França, Filipinas… e olha o Catar aí de novo, gente. O título se refere a um plano governamental implantado em um Japão ficcional onde a idade avançada de boa parte da população está causando problemas econômicos ao país. A solução encontrada é incentivar o suicídio assistido para maiores de 75 anos, o que divide as opiniões dos japoneses.
A partir daí, o roteiro do britânico John Gray e da própria diretora do filme, a japonesa estreando em longas, Chie Hayakawa, desenvolve o chamado filme-coral, no qual várias tramas são desenvolvidas simultaneamente, sem que haja necessariamente uma principal.
Há um rapaz que reencontra o tio que não via há 20 anos justamente para auxiliá-lo a morrer; a idosa solitária que não tem sequer a quem doar o dinheiro oferecido pelo governo, em caso de eutanásia; a jovem filipina que busca no Japão o dinheiro necessário para operar sua filha, e assim por diante.
Um dos maiores méritos de “Plano 75” é uma direção que em momento algum cai em armadilhas sentimentais e superficiais que o tema potencialmente oferece. Prevalece a sutileza de olhares, elipses e silêncios que acabam assim por potencializar a carga dramática de um assunto tão delicado.
Não falta também a crítica sócio-política, mostrando que os funcionários do Plano 75 são encorajados a levar seus “clientes” até o “fim”, ou seja, à morte; e obviamente escancarando o ideal capitalista que o cidadão fora de sua idade produtiva vale mais morto que vivo. Mas isso o Temer já sabia, ao empreender a reforma da aposentadoria. “Plano 75” é o “Balada de Narayama” da nossa era.
“Plano 75” é o desenvolvimento em formato longa do curta que a mesma diretora já havia realizado em 2018 como parte do projeto “Jûnen: Ten Years Japan”, coletânea de cinco curtas-metragens imaginando o Japão de um futuro próximo.
O filme ganhou Menção Especial no Caméra D’Or do Festival de Cannes 2022, e foi o selecionado pelo Japão para representar o país no Oscar de 2023.
Texto publicado em www.planetatela.com.br