É O OSCAR QUE NÃO MERECE “SALVE GERAL”.

Mais um filme sobre marginais? Outra vez vão glamourizar a bandidagem? É essa a imagem do Brasil que queremos mostrar para o exterior? Prepare-se. Novamente o coro das vozes dissonantes vai ecoar pelo país, caindo de pau sobre “Salve Geral”, novo filme de Sérgio Rezende. Desconsidere. Esqueça. Vá e veja o filme, certamente um dos mais emocionantes e pungentes da nossa safra recente.

Não, não é “mais um filme sobre marginais”. “Salve Geral” é sobre todos nós. Sobre mães, pais, filhos, policiais, advogados e – sim – marginais também. Mesmo porque numa sociedade onde quem tem alguma coisa sufoca suas próprias janelas e portas com grandes afiadas, e difícil determinar quem está preso e quem está solto.
Não, no filme a bandidagem não é glamourizada. Nenhum dos criminosos em questão é um poderoso Corleone cercado de belos carros e roupas caras. Assim como acontece em “Tropa de Elite”, em “Salve Geral” todos são (somos), ao mesmo tempo, vítimas e culpados. Todos fazem (fazemos) parte de um círculo vicioso que envolve a trinõmio pobreza/corrupção/violência. Entendendo-se a pobreza tanto monetária como de caráter. Todos são, num só tempo, vítimas e culpados, agente e reagente, ativos e passivos. O roteiro questiona: na hora do desespero, quem consegue ceder à tentação de, pelo menos um pouquinho, enveredar pelo crime? Somos todos corruptos. Do Presidente do Senado a quem compra um DVD pirata na esquina.

Sem citar diretamente o nome do PCC (o filme fala em “Partido”), e sem a pretensão de ser um documentário historicamente preciso, “Salve Geral” narra com as devidas e bem-vindas licenças poéticas os fatos que culminaram com a paralisação da cidade de São Paulo, em maio de 2006.
Como mandam os preceitos básicos de dramaturgia, o fio condutor da história não é o social, mas sim o drama individual de Lúcia (Andrea Beltrão), uma professora de piano, viúva, que luta contra o empobrecimento repentino para tentar educar da melhor maneira possível o jovem filho Rafa (Lee Thalor). Porém o rapaz se mete numa confusão de trânsito e, através de uma série de eventos rápidos e desastrosos, torna-se um assassino em questão de segundos e vai para a penitenciária.

Começa neste momento a via crúcis da protagonista, que movida por uma mistura de dor, desespero e ingenuidade, acaba se envolvendo com o crime organizado e com a consequente paralisação da cidade de São Paulo naquele maio de 2006. “Sempre que eu fico com medo, eu fecho os olhos”, diz ela. E conclui: “Até hoje eu não sei o que tem dentro do Tem Fantasma”.
A fala é significativa. Vendo a realidade filtrada através das monstruosas distorções da lentes das televisões, provavelmente quase nenhum brasileiro saiba de fato o que possa existir dentro do “Trem Fantasma” que é o sistema carcerário brasileiro. E fechar os olhos sempre fez parte da nossa cultura afro-ibero-indianista, como Gilberto Freyre já constatou há tempos.
Neste sentido, o filme cria uma rica amálgama de personagens-chave onde não há heróis nem vilões, mas apenas claros representantes do nosso cotidiano. Ângela (Chris Couto), a irmã de Lúcia, vê o mundo sob sua óptica de corretora de imóveis: a bandidagem é ruim porque as comissões de vendas caem. Ruiva (Denise Weinberg), uma advogada – literalmente – de porta de cadeia, aprendeu a usar seu registro na OAB como arma a favor do crime ou, na melhor das hipóteses, a favor de si mesma. E a bem da verdade o garoto Rafa só está preso porque sua mãe é pobre. Gravitando entre todos eles, Lúcia é a imagem encarnada de uma sociedade perdida, completamente sem rumo, que flutua entre a virtude e o crime de acordo com o lado para o qual sopra o vento. Movida pelo mais intenso dos desesperos: o de uma mãe que luta pelo filho, tema também explorado por Resende em “Zuzu Angel”.

E em Lúcia também que reside o ponto mais alto de “Salve Geral”: Andréa Beltrão, simplesmente magnífica, criando uma personagem cheia de nuances que passa emoção e exasperação em cada olhar, em cada respiração. Se esta brincadeira chamada Oscar tivesse um mínimo de seriedade, Andréa seria candidata ao prêmio de atriz.
Apensar a notável superioridade de Andréa, todo o elenco está afiado, afinado e consistente. São mais de 60 personagens com fala, entre eles atores com grande experiência na cena teatral paulista. Além dos já citados, são dignos de mérito Bruno Perillo (Professor), Guilherme Sant’Anna (Pedrão), Eucir de Souza (Chico), Paschoal da Conceição (Dr. Pereira), Kiko Mascarenhas (delegado Raul). Michel Gomes,
Juliano Cazarré e tantos outros. Ninguém destoa.

É evidente que há defeitos. A cena da perseguição, onde Rafa ludibria a polícia se escondendo num caminhão-cegonha, é um lugar comum hollywoodiano que o filme não precisava ter. Assim como o momento em que o carro da fuga é cortado por um caminhão em manobra, que acaba barrando o caminho da policia: clichê de Sessão da Tarde. Talvez mais para o paulistano do que para outros brasileiros, chama a atenção ainda a decoração de Natal do Conjunto Nacional, na esquina da Paulista com Augusta. Não estamos em maio? Pequenas bobagens que não tiram o mérito do filme.

Se “Salve Geral” chegará ou não até o Oscar é totalmente irrelevante. Na verdade, aquela festinha cafona de Hollywood sequer o merece. E para quem pergunta se “é esta a imagem que o Brasil quer mostrar lá fora’” vale dizer que Sérgio Resende é cineasta, e não agente de turismo. E que o cinema brasileiro não é a Embratur.