EASTWOOD E A AMÉRICA CONTRADITÓRIA DE “A MULA”.

Por Celso Sabadin.

Que bom! Clint Eastwood se redime do sofrível “15:17 – Um Trem Para Paris”, e mostra que está de volta à boa e velha forma com o ótimo “A Mula”. Qual seria o segredo deste ex-ator de faroeste italiano, que prestes a completar 89 anos mostra que sabe tudo de direção cinematográfica? Talvez o segredo de Clint seja a simplicidade: de maneira clássica, ele se atém como poucos ao milimétrico ofício de contar bem uma história. Nos tempos precisos, no tom correto, dominando todas as armadilhas da dramaturgia e do cinema.

É assim que – a partir de uma matéria de jornal e do roteiro do estreante Sam Dolnick – Clint conta a história de Earl (vivido pelo próprio diretor), um nonagenário que, pego pela crise econômica, decide fazer dinheiro trabalhando como mula de um cartel de drogas. O disfarce é perfeito. Afinal, quem desconfiaria de um simpático velhinho cruzando os EUA sem pressa, com uma camionete em cuja placa se lê “veterano da Guerra da Coreia”?

Na verdade, a trajetória do protagonista – que o espectador acompanha com aquele prazer que só os filmes bem dirigidos conseguem proporcionar – é até menos estimulante que o pano de fundo que permeia toda a trama. “A Mula” nos convida a um mergulho nas contradições da alma norte-americana conservadora do meio-oeste. Earl, o fio condutor do tempo, lutou em guerras a favor de uma suposta liberdade, pensava que sua tranquilidade como cultivador de lírios estava garantida pelo tal amerian way of life, mas o fantasma da hipoteca – o verdadeiro terror estadunidense – o joga num mundo em transformação que ele não conhecia. E no mundo do crime, que ele abraça sem a menor crise de consciência, sem nenhum escrúpulo, pois os prazeres do consumo estão acima de tudo do Bem e do Mal. Afinal, ele é branco, e não será molestado.  Pelo caminho, cruza com a América Cucaracha, que o filme retrata com a mesma dose de preconceito do protagonista: os latinos são criminosos, se matam entre si, são violentos, e sempre – acima de tudo – invasores. Earl passará por eles com sua inconteste superioridade Wasp. A mesma superioridade/prepotência (tratada no filme como carisma) com a qual ridiculariza toda e qualquer tecnologia, e que o faz dizer que adora ajudar “vocês, negros”.

Porém, apesar de toda a ambientação ser do meio-oeste, “A  Mula” é antes de mais nada um produto hollywoodiano, e a redenção será necessária.

Com um elenco de peso que ainda traz Bradley Cooper, Laurence Fishburne, Michael Peña, Dianne Wiest e Andy Garcia, “A Mula” estreia em 14 de fevereiro.