“ELA” INVESTIGA COM SENSIBILIDADE A SOLIDÃO DO HOMEM TECNOLÓGICO.

A discussão entre mundo real x mundo virtual ganha uma nova roupagem e um charme muito especial em “Ela”, novo filme escrito e dirigido por Spike Jonze, o mesmo de “Quero Ser John Malkovich” e “Adaptação”.
A trama se passa num futuro bem próximo, onde Theo (Joaquin Phoenix) tem um emprego, no mínimo, peculiar: ele é pago para redigir cartas pessoais que serão assinadas por remetentes que não se sentem capazes de expressar seus sentimentos em palavras. E mais: estas cartas serão impressas como se tivessem sido escritas a mão, de forma que o destinatário receberá em sua casa uma antiga e anacrônica carta “de próprio punho”. Graças à tecnologia.

Mas esta é apenas uma das boas sacadas do filme. A principal mesmo é que Theo, em luta contra uma depressão amorosa, compra um novo sistema operacional que administra toda a sua vida… e acaba se apaixonando por ele. Na verdade, por ela (Samantha, voz de Scarlett Johansson), já que a instalação do sistema permite que o usuário escolha se ele será masculino ou feminino.

Ao contrapor homens e máquinas, “Ela” não esbarra o romantismo raso do fraco “S1mone”, nem procura a ficção noir de “Blade Runner” ou “Gattaca”. Pelo contrário, o filme busca seu próprio caminho. E o encontra: o caminho da delicadeza e da emoção sincera. Não há nenhum tipo de julgamento moral nem ético pelo fato do homem se apaixonar pelo seu próprio gadget eletrônico, fato que, aliás, está se tornando cada vez mais comum (basta olhar a quantidade de zumbis do mundo virtual caminhando pelas ruas ou acendendo luzes em sessões de cinema). Nada disso: a poesia de “Ela” expõe a tristeza do indivíduo atual, cercado de facilidades tecnológicas, inserido num ambiente urbano contemporâneo, e ao mesmo tempo oprimido e deprimido pela solidão das relações superficiais

Não há efeitos especiais megalômanos. Esqueça raios mágicos e portais milagrosos. “Ela” busca a narrativa intimista, e visualmente se apoia numa bela paleta de cores pasteis que ajudam a proporcionar uma atmosfera etérea, quase de sonho. E a direção de arte, caprichosamente, inseriu imagens de grandes edifícios chineses na paisagem, para dar a impressão de uma Los Angeles futurista.

Tudo feito com sutileza e sensibilidade, neste que é um dos mais belos e emotivos filmes da temporada.