“ELEIÇÕES” MOSTRA A ESCOLA COMO MICROCOSMO POLÍTICO DE UM PAÍS SOB ATAQUE RELIGIOSO.

Por Celso Sabadin.

Quando fiquei sabendo que havia sido feito um documentário sobre as eleições de um grêmio estudantil numa escola de ensino médio, e de como este pleito serviria para introduzir os jovens estudantes na vida democrática, pensei, antes de mais nada, que o filme seria uma obra “do bem”, repleta de intenções positivas sobre a nossa vida pública e a sociedade brasileira. Acertei.

Pensei também que deveria se tratar de um documentário mediano, que traria poucas novidades sobre a questão, e que poderia render um texto, uma resenha ou uma crítica convencional. Errei. E errei feio. Nunca poderia ter imaginado que “Eleições”, dirigido por Alice Riff (a mesma de “Meu Corpo é Político”) mexesse tanto comigo. O problema é que para explicar porque isso aconteceu, terei obrigatoriamente de cometer alguns spoilers. Então está feita a advertência: daqui para a frente, este texto contém spoilers.

A questão é simples: “Eleições” mostra como vários jovens da Escola Estadual Doutor Alarico Silveira, no bairro paulistano da Barra Funda, se organizaram em quatro chapas para concorrer à direção do grêmio estudantil. Num primeiro momento, coisa simples. Com descontração e bom ritmo, o filme vai mostrando todo o processo eleitoral da moçada, que é bem gratificante de ver. O problema começa com uma das chapas, chamada ID 12, capitaneada por um estudante chamado Washington, que conseguiu a minha imediata antipatia longo na primeira cena em que aparece. Bem mais articulado que seus colegas, Washington parece utilizar suas desenvolturas oral, argumentativa e política para manipular todos à sua volta, inclusive seus colegas de chapa. A despeito disso, o processo eleitoral vai se desenvolvendo normalmente, com debates políticos, algumas interferências desastrosas da diretoria da escola, duas estudantes divertidas que cobrem o evento com linguagem de youtubers, crises internas, momentos divertidos, enfim, um vigoroso retrato de uma parcela da juventude brasileira.

Quando o filme está em seus momentos finais, surpresa: a tal chapa ID 12, na verdade, era uma articulação de Washington com a igreja evangélica que ele escondidamente representava,  sem nunca ter revelado a ninguém – nem aos seus colegas de chapa – suas ocultas motivações religiosas. Até o logotipo da chapa, insistentemente divulgado em cartazes durante a campanha, era o mesmo da igreja.

A informação me perturbou intensamente. Foi muito difícil constatar (novamente) o grau de infiltração política que este câncer nacional chamado igreja evangélica vem alcançando. Quando a máscara da ID 12 cai, através de uma denúncia que o filme prefere não revelar quem fez, Washington tenta se defender com um discursinho pronto dizendo que “o estado é laico, mas não é ateu”, e outros blá-blá-blás. Tudo já previsto. O fato é que a simples eleição de um diretório estudantil de uma escola – de alguma maneira – tornou-se alvo das atenções de alguma ramificação de alguma igreja, que não perdeu tempo em tentar cooptar o mais cedo possível seu jovem eleitorado, através de um protagonista infiltrado e dissimulado. O que nos dá uma pequena amostra do apetite voraz pelo poder que tais instituições ditas religiosas estão nutrindo em nosso país.

Washington e sua ID12 não ganharam a eleição. A denúncia chegou aos alunos em tempo hábil. Mas com esta voracidade pelo poder, ninguém pode garantir o que acontecerá nas próximas eleições da Escola Alarico Silveira, ou de qualquer outra, verdadeiros microcosmos de um país que cada vez mais se deixa enganar pela lábia de qualquer Washington. Ou qualquer Jair.