ELOCUBRAÇÕES SOBRE “O CANDIDATO HONESTO” E “CANTINFLAS”.

Por Celso Sabadin

A Paris Filmes está lançando em DVD, praticamente de forma simultânea, dois filmes que foram bastante maltratados pela crítica por ocasião de suas estreias nos cinemas: o brasileiro “O Candidato Honesto” e o mexicano “Cantinflas”. Num primeiro momento, um nada tem a ver com o outro, mas ao ver ambos juntos, lado a lado, empacotados sob o formato de DVD, me veio à mente uma frase que gosto muito, mas desconheço seu autor: um país sem cinema é igual a uma casa sem espelhos.

Explico: como crítico, também não gosto nada de “O Candidato Honesto”, e acuso “Cantinflas” de carregar um apanhado de vícios e deméritos cinematográficos. Mas não seriam estes filmes legítimos espelhos cinematográficos das culturas de seus respectivos países? “O Candidato Honesto”, por exemplo, reflete a abominável cultura audiovisual brasileira, em sua maioria forjada pela pobreza estético-visual das telenovelas que, por sua vez, são descendentes diretas das radionovelas. Boa parte dos filmes brasileiros recentes, verbalizados e narrados ao extremo, onde a palavra falada predomina sobre a imagem visual, são “bons para passar no rádio”, como certa vez expressou tão correta e divertidamente meu amigo Marcus Villar. São filmes pensados para uma plateia que ama telenovelas e, consequentemente, é avesso às sutilezas que nós, críticos, tanto valorizamos. São filmes idealizados para jamais tirar o grande público de sua televisiva zona de conforto e, por isso mesmo, optam por explicar didática e verbalmente tudo o que está acontecendo na tela. Quase igual ao cinema com audiodescrição para deficientes visuais. Um estilo brasileiro de se fazer cinema que encontrou recentemente em “Tim Maia” sua maior expressão, e que tem produzido gerações de analfabetos audiovisuais, isto é, um público que não consegue decodificar os códigos cinematográficos sem recorrer ao apoio redundante da verbalização.  É o cinema de raízes radionovelescas.  Ruim? Sim, mas o espelho de boa parte da nossa cultura.

Paralelamente, uma das críticas feitas contra “Cantinflas” reside no fato do filme ser excessivamente melodramático. De fato, é um pouco difícil de aceitar, em pleno século 21, uma cena dramática onde o herói sai gritando pela rua numa noite chuvosa, e os relâmpagos iluminam sua face onde as lágrimas se misturam às gotas da chuva. Ou que o beijo de dois amantes seja saudado com uma mais do que manjada sessão de fogos de artifício. Mas, pensando melhor, não é “Cantinflas” uma produção mexicana que retrata o mais mexicano dos heróis do cinema? E qual é, se não o México, o país mais conhecido e reconhecido pela sua latiníssima melodramaticidade?  De onde nasceu a expressão pejorativa “novelão mexicano” se não das mais profundas raízes culturais populares daquele país?

Não aplaudo, cinematograficamente, nem “O Candidato Honesto” nem “Cantinflas”. Mas não se pode relegar a um plano inferior a análise destes dois filmes como espelhos socioculturais dos países que eles representam. Nós, críticos, muitas vezes nos atemos a cânones e dogmas aprendidos e estigmatizados de longa data, valores tidos como inabaláveis mas que, como todos cânones e dogmas estigmatizados, devem ser  constantemente questionados.

Se o cinema é o espelho da cultura de um país, de nada adiantará estilhaçá-lo se o que ele reflete não nos agrada. Isso talvez só nos traga sete anos de azar.