EM “ACIMA DAS NUVENS”, KRISTEN STEWART ROUBA A CENA DE JULIETTE BINOCHE. ESTE MUNDO DO CINEMA ESTÁ MESMO PERDIDO.

Por Celso Sabadin. 

Logo nas primeiras cenas do filme vemos uma atriz preparando o discurso que irá fazer em homenagem a um grande dramaturgo. No texto, a tal atriz só fala de um assunto: ela própria. Já dá para perceber que quem fez o filme entende bem de atrizes, atores, e do gigantesco ego que os domina. Um ego que é um dos temas dominantes de “Acima das Águas”, escrito e dirigido por Olivier Assayas, o mesmo de “Depois de Maio”.

O cerne do roteiro explora um tema já bastante debatido em diversos outros filmes – o envelhecimento – mas que aqui ganha a roupagem estilística muito particular de Assayas. Mais precisamente, a dor que o envelhecer causa na vaidade de quem acha feio o que não é espelho. A atriz em questão é Maria Enders (Juliette Binoche em grande momento), personagem fictícia em seu nome, mas de uma realidade ímpar em sua personalidade. Talentosa, consagrada e europeia, ela não hesita em fazer participações especiais em blockbusters norte-americanos (afinal, a própria Binoche esteve em “Godzila”, não?), mas no momento sua maior preocupação é outra: atuar na remontagem de uma peça que a fez famosa, 20 anos atrás. A peça dentro do filme fala de uma relação destrutiva entre duas mulheres, uma 20 anos mais jovem que a outra. Obviamente, na primeira montagem Maria Enders fez o papel da mais jovem, e agora terá de interpretar a mais velha. Ou seja, terá de encarar seus medos, inseguranças e sua própria noção de envelhecimento, sensações que de uma forma ou de outra todos temos, mas que parecem se potencializar no caso de atores e atrizes.

Tudo piora quando Maria conhece Jo-Ann (Chloë Grace Moretz, de “A Invenção de Hugo Cabret” e do remake de “Carrie, a Estranha”), uma fútil atriz norte-americana que, assim como tantas outras, é mais famosa pelos seus escândalos que pelos seus filmes. É com ela que Maria terá de contracenar na enigmática peça que mudou sua vida.

Contudo, a personagem mais interessante do filme acaba sendo mesmo a magnética Valentina, assistente de Maria, papel onde Kristen Stewart prova que tem muito mais talento do que demonstrou como a Bella da trilogia “Crepúsculo”. É a força de Valentina que encurrala a vaidade de Maria, que a questiona, que enfrenta o que não deveria ser enfrentado e que traz um ótimo desfecho para o seu personagem, que obviamente eu não vou contar.

É Valentina quem tem a coragem de chamar Maria de preconceituosa contra o filme comercial: “Você achou o personagem estúpido porque tudo se passa numa nave espacial, mas se fosse numa fazenda você iria amar”, ela diz à sua patroa, numa divertida referência à “mania” (estilo?) francesa de ambientar vários de seus filmes em casas de campo. O questionamento é mais do que válido.

“Acima das Nuvens” aborda temas não necessariamente inéditos (é possível listar dezenas de filmes que brincam com esta metalinguagem e onde atores se exorcizam nos personagens que interpretam), mas aqui temos a diferença da elegante direção de Assayas. Pequenos gestos, rápidos detalhes sutis (Maria incomodada com os óculos 3D no cinema, por exemplo), uma trinca soberba de interpretações femininas, a exploração inteligente dos choques culturais entre Estados Unidos e Europa, além de um texto afiadíssimo fazem de “Acima das Nuvens” um grande lançamento, acima da média. Claro que as belíssimas locações nos Alpes Suíços e o fato do filme ser um dos últimos a ser rodado no agonizante formato de 35 milímetros também ajudam bastante.

E mais: quando teremos a chance de ver outro filme onde a Bella de “Crepúsculo” rouba a cena de Juliette Binoche? O mundo do cinema definitivamente está de cabeça para baixo…