“EM BUSCA DE UM LUGAR COMUM”, OU A FAVELA COMO ZOOLÓGICO DE GRINGO.

Outro dia, vendo um documentário sobre a festa da colheita de arroz na Tailândia, comentei com um colega sobre como o Cinema é algo maravilhoso. Uma magia que nos transporta para uma festa que, provavelmente, jamais terei a oportunidade de ir pessoalmente.
Poucos dias depois, vendo “Em Busca de um Lugar Comum”, tive novamente a mesma sensação. Mas com algo bem diferente, e muito mais próximo que o festival do arroz tailandês: as nossas próprias favelas, do nosso próprio país, aqui pertinho. Por medo, preconceito ou simplesmente preguiça, um lugar que também muito provavelmente verei pessoalmente.

Dirigido por Felippe Schultz Mussel, o documentário brasileiro “Em Busca de um Lugar Comum” está longe de ser, como dizem, “mais um filme sobre favela”. Nada disso: o diretor nos convida a um verdadeiro tour por algumas comunidades cariocas onde o público embarca junto com o olhar estrangeiro. O filme enfoca o universo de empresas e profissionais especializados em levar turistas do mundo inteiro para conhecer, nem que seja em sua superficialidade, o intrincado universo das favelas.

Os sentimentos e as sensações se misturam. Se, por um lado, há algo de “jardim zoológico” no conceito de levar vans e caminhões carregados de estrangeiros para visitar este exotismo tão brasileiro, por outro lado nota-se a constante preocupação dos guias turísticos em tentar, pelo menos tentar, desmistificar as comunidades como lugares perigosos. Mas o clima de tensão está no ar. Da mesma forma que os guias repetem o mantra que as favelas não são necessariamente lugares perigosos, eles também recitam periodicamente várias recomendações sobre os lugares onde não se podem tirar fotos, nem caminhar com o equipamento fotográfico à mostra. Há uma tensão permanente no ar e nos olhares. Casais posam abraçados e sorrindo para as fotos, como se estivessem na frente da Torre Eiffel.

Não falta o constrangimento deste ou daquele guia em tentar empurrar aos turistas, como souvenir, exemplares de “arte” brasileira feita por pessoas carentes. E tampouco deixa de ser interessante a imagem do “gato” (emaranhado de fios, cabos elétricos e telefônicos) como metáfora visual do “caos que funciona”.
Além de tráfico, segurança e de programas sociais desenvolvidos para as comunidades, os guias também falam de política com os quase sempre encantados turistas. Um deles, da mesma forma que tece elogios a Lula, critica que muitas casas foram pintadas somente em suas fachadas, na tentativa de maquiar as favelas por ocasião da Copa e das Olimpíadas.

E Mussel deixa para o final uma imagem tenebrosa: um grupo de crianças de uma escola respondendo, vigorosamente, às ordens de comando de um policial militar. E, na sequência, os policiais comentando entre si que não existe nada que funcione sem disciplina e ordem.
Um arrepio pós-64 me percorre a espinha e dá saudades da festa do arroz tailandês.