EM DVD, “A MULHER NA LUA” É FASCINANTEMENTE PREMONITÓRIO.  

Por Celso Sabadin.

Dois anos após o clássico “Metrópolis”, o casal Thea von Harbou (livro e argumento) e Fritz Lang (roteiro, direção e coprodução) retomam o sempre fascinante tema da ficção científica e realizam o apaixonante “A Mulher na Lua”, novamente com a produção da poderosa empresa alemã Universum Films.

Tudo começa com ritmo e sabor de trama de espionagem. Logo na primeira cena, um homem misterioso sai em desabalada carreira do pequeno apartamento do Professor Manfeldt (Klaus Pohl), que logo saberemos ser um cientista genial, porém falido. Na fuga, o tal homem esbarra com Helius (Willy Fritsch), que estava a caminho de visitar Manfeldt. Aos poucos, a situação é esclarecida para o público: Manfeldt encontra-se à beira da miséria por ter sido, anos atrás, desprezado e ridicularizado pela comunidade científica após defender a tese da existência de toneladas de ouro na Lua. Ele desenvolveu um minucioso estudo que possibilitaria uma viagem ao satélite natural da Terra, através da qual provaria sua teoria e, claro, enriqueceria. Seu grande amigo Helius não só acredita em Manfeldt como tem recursos suficientes para viabilizar a empreitada, embora seu interesse seja muito mais científico que financeiro. Helius é um empreendedor de visão moderna, bem sucedido, mas triste: seus associados Windegger (Gustav Wangenheim, o Hutter de “Nosferatu”) e Friede (Gerda Maurus) acabam de ficar noivos, sem saber da imensa paixão platônica que Helius nutre por Friede.

 

Desilusões românticas a parte, a questão agora é que o tal homem misterioso do começo do filme (o personagem, sem nome, é vivido pelo expressivo Fritz Rasp) entra em cena para chantagear a todos: ou ele embarca junto neste mirabolante projeto de viagem à Lua, ou explodirá importantes empreendimentos de Helius e seus associados. Poderes para isso não lhe faltam, pois o tal sujeito é o representante de um consórcio formado pelos cinco maiores milionários do mundo que, obviamente, querem colocar as mãos no suposto ouro lunar. Caracterizar a concentração de capital como o grande vilão da obra não deixa de ser interessante… e premonitório.

 

Assim, para o bem ou para o mal, a viagem terá se ser realizada. E com um maluco assassino a bordo. Desta forma Lang elabora uma equilibrada mistura de suspense, romance, aventura e – claro – ficção científica de primeira linha.

 

Cuidadosa como sempre, a Universum Film contratou o cientista alemão Hermann Oberth como consultor, principalmente para tentar imprimir a maior credibilidade possível na cena do lançamento da espaçonave. Oberth foi um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da tecnologia de foguetes em seu país, numa época em que viagens à Lua nada mais eram que pura ficção. Em sua equipe, como estagiário, trabalhava ninguém menos que Wernher Von Braun, que mais tarde coordenaria o lançamento de mísseis nazistas durante a Segunda Guerra e – mais tarde ainda – capitanearia o programa espacial norte-americano que levou, de verdade, o homem até à Lua (embora alguns acreditem que tudo não tenha passado de uma encenação de Stanley Kubrick).

 

Não por acaso, o filme de Lang vem revestido de uma forte dose de verossimilhança, que inclui a divisão do foguete em estágios descartáveis, até a sua efetiva chegada no nosso satélite. Já a técnica de lançar a nave a partir de um enorme tanque de água jamais foi utilizada na realidade.

 

Se por um lado a Universum se cercou de cuidados científicos para dar maior verossimilhança ao filme, por outro ela também não se descuidou do aspecto publicitário do longa, alardeando que, em sua estreia, graças à tecnologia de Oberth, a empresa lançaria um foguete de verdade (obviamente de tamanho pequeno) bem diante do cinema. Não deu certo: o pequeno foguete jamais ficou pronto, mas serviu para criar mais interesse pela obra.

 

Atribui-se a Lang a criação da famosa contagem regressiva para o lançamento da nave, recurso utilizado somente para efeitos dramáticos. Verdade ou não, o fato é que, a partir de “Mulher na Lua”, o ato da contagem regressiva foi efetivamente adotado nas missões especiais do mundo real, e até hoje é um ícone do tema.

 

A cereja do bolo é o protagonismo feminino, não só no título do longa como também na força da única personagem mulher da trama. Equilibrada e sóbria, é Friede quem administra com sabedoria os conflitos dos personagens masculinos (alguns bastante insanos), além de ser o pivô do triângulo amoroso que tempera toda a aventura. Lembrando que no clássico anterior escrito por Thea – “Metrópolis” – a icônica Maria também tinha participação fundamental.

 

“A Mulher na Lua” foi lançado com grande campanha publicitária em Berlim, em 15 de outubro de 1929, quatro anos antes, portanto, da chegada de Hitler ao poder. O filme foi depois banido pelo fascismo, sob a argumentação que ele revelava segredos do projeto de foguetes que Hitler utilizaria como arma de guerra. Esta foi a explicação oficial. Contudo, talvez o ditador alemão tivesse se incomodado mais com o penteado do vilão do longa, ridiculamente parecido com o seu.

“A Mulher na Lua” faz parte da caixa Expressionismo Alemão volume 4, do selo Obras Primas do Cinema.