EM DVD, “ALMAS PERVERSAS” É A RELEITURA DE LANG PARA UM CLÁSSICO DE RENOIR.  

Por Celso Sabadin.

Como cai muito bem num legítimo “noir”, “Almas Perversas” mostra o turbilhão de sentimentos, jogos de erros, enganos, desejos e desenganos que envolvem o trio de protagonistas. Um triângulo não exatamente amoroso formado pela prostituta Katty (Joan Bennett), seu cafetão Jimmy (Dan Duryea) e o ingênuo contador Chris (Edward G, Robinson).

Os primeiros minutos do filme, dedicados a compor o personagem Chris (não por acaso, de sobrenome Cross, que pode ser interpretado como “encruzilhada”), são um primor de roteiro. Trata-se de um cinquentão triste, casado com uma mulher que jamais amou, que acaba de receber um relógio de ouro como homenagem pelos seus 35 anos de fieis serviços prestados a um mesmo patrão. Sua única válvula de escape é a pintura, hobby que desenvolve com paixão no banheiro de seu apartamento. O acaso coloca em seu caminho a bela Katty, e ambos passam a desenvolver um jogo de aparências onde é mais fácil e mais prazeroso acreditar no que se deseja crer que propriamente na realidade. Está armado o cenário para uma trama de paixões e frustrações que inevitavelmente levará à tragédia. Um mosaico de falsas aparências onde apenas o público, e jamais algum personagem individualmente, tem a visão total dos acontecimentos.

Décadas antes da chamada globalização, “Almas Perversas” é uma produção norte-americana de 1945 dirigida por um alemão a partir de um original francês. Fritz Lang, do clássico “Metrópolis”, reconvoca o mesmo elenco que havia dirigido no ano anterior em “Um Retrato de Mulher” e refilma “A Cadela” (‘La Chienne”), que Jean Renoir havia realizado em 1931, com base no livro de Jean de la Fouchardiére e André Mouézy-Éon. Obviamente muita coisa foi alterada nesta adaptação, pois na época os EUA viviam sob a rígida censura do Código Hays (que permaneceu proibindo e mutilando ideias até os anos 60), enquanto os franceses gozavam de plena liberdade de expressão. No original, por exemplo, há crimes sem punição, algo impensável na América puritana, da mesma maneira que cenas de violência e sexualidade tiveram de ser atenuadas. Nada porém tira os méritos de Lang, que a partir do roteiro americanizado de Dudley Nichols criou e desenvolveu uma rica galeria de tipos humanos multifacetados, explorando com muita habilidade a capacidade que todos nós temos de nos meter em sinucas memoráveis quando movidos pela ambição, seja ela monetária ou sexual. E ainda faz uma sarcástica crítica ao instável e inconstante mercado artístico.

“Almas Perversas”, tradução brasileira da época para “Scarlet Street”, faz parte da caixa de DVDs “Film Noir Volume 7”, lançada pela Versátil .

 

 

 

 

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