EM DVD, “AS MÃOS DE ORLAC” CAI COMO UMA LUVA PARA O EXPRESSIONISMO ALEMÃO.

Por Celso Sabadin.
 
Em 1920, o escritor francês Maurice Renard publicou “Les Mains d’Orlac”, sobre um pianista que tem suas mãos – decepadas num acidente – transplantadas pelas mãos de um assassino. Perturbado, o protagonista passa a acreditar que ele próprio seria levado, por suas novas mãos, a se transformar num criminoso.
Demorou apenas quatro anos para que “As Mãos de Orlac” fosse adaptado para o cinema. E não pelo cinema francês, mas pelo alemão, que na época vivia o auge de seu movimento Expressionista, cujos preceitos caíam como uma luva – sem trocadilhos – para o caráter fantástico da obra. O livro foi adaptado pelo roteirista Louis Nerz, e a direção ficou com ninguém menos que Robert Wiene, o então já aclamado diretor de “O Gabinete do Dr. Caligari”. No papel principal, o mais que expressivo Conrad Veidt, o enigmático Caesar, também de “Caligari”.
 
Narrativamente, “As Mãos de Orlac” é irregular. Wiene parece ter se encantado pela caprichada produção das cenas do desastre de trem (realmente bem eficazes) que vitimiza o protagonista, e permanece durante longos minutos explorando seu potencial dramático. Dá menos tempo e espaço para as eventuais questões éticas que o polêmico transplante poderia provocar, e é somente no terceiro terço da obra que efetivamente explora com total dramaticidade Expressionista o dilema moral de Orlac, que passa a ser o suspeito de um assassinato.
 
Talvez tal irregularidade possa ser explicada pela ação dos censores alemães da época, que consideram que o filme poderia ser prejudicial à Lei, na medida que “explicava” como alguém poderia forjar criminosamente o uso de impressões digitais, por meio de moldes e luvas de borracha. O longa também foi proibido para adolescentes, sofreu cortes, e teve cenas perdidas, o que dificultou bastante sua restauração.
Mesmo assim, (re)visto hoje, é um belíssimo exemplar do Expressionismo Alemão, tanto pela sua temática repleta de fantasia, culpas e crimes, pela intepretação marcante de Veidt, pelos encantadores cenários desproporcionais que sublinham a dor e a solidão da casa de Orlac, além da fotografia de Hans Androschin e Günther Krampf (o mesmo de “Nosferatu”), que recria fascinantes e tenebrosos tons da noite nas cenas finais.
 
“As Mãos de Orlac” está na caixa Expressionismo Alemão Vol. 4, do selo Obras primas do Cinema.
 
O livro de Renard ainda originaria outras adaptações cinematográficas, como “Dr. Gogol – O Médico Louco” (Karl Freund, 1935), “The Hands of Orlac” (Edmond T. Greville, 1960), e “Mãos Criminosas” (Newt Arnold, 1962).