EM DVD, “BRUMAS” MARCA A RÁPIDA AVENTURA DE JEAN GABIN NO MERCADO NORTE-AMERICANO.

Por Celso Sabadin.
 
Jean Gabin já era o grande astro-referência do cinema francês quando, finalmente, decidiu aceitar uma das várias propostas que recebia de produtores norte-americanos para filmar do outro lado do Atlântico. Na verdade, tal aceitação se deveu mais a motivos políticos que profissionais: Hitler havia invadido a França, tornando insustentável qualquer tentativa de desenvolvimento de um cinema minimamente livre por ali. Gabin então aceitou a proposta da Fox para ser o protagonista de “Brumas”, filme baseado no livro de Willard Robinson, ator texano que eventualmente se aventurava a escrever.
 
A experiência não foi das mais satisfatórias. Em primeiro lugar porque Gabin simplesmente reescrevia seus próprios diálogos, ato impensável no sistema de estúdios estadunidense, no qual o produtor é o dono e senhor do filme. O ator também se indispôs com o diretor Fritz Lang que, impaciente com a prepotência de Gabin, desistiu do projeto e foi substituído por Archie Mayo. Dizem as más línguas da época que, na realidade, tanto Gabin como Lang disputavam a mesma mulher, ninguém menos que Marlene Dietrich.
Outra questão se relaciona com o texto original de Robinson, ousado demais para a Hollywood dos aos 40. No livro, o protagonista é um marinheiro bêbado envolvido com várias prostitutas que se apaixona por uma mulher de passado duvidoso e passa a morar com ela “em pecado”, como se dizia antigamente. A trama, impossível de chegar às telas num país sufocado pelo conservador Código Hays de censura, teve de ser amenizada no filme. Tudo isso fora um subtexto homossexual entre o marinheiro protagonista e seu amigo aproveitador.
 
Para piorar ainda mais as coisas, o filme começou a ser rodado em novembro de 1941, semanas antes dos EUA entrarem na Segunda Guerra, fazendo com que todas as cenas anteriormente previstas para serem filmadas em locação no litoral fossem transferidas para cenários dentro dos estúdios, por motivo de segurança.
 
Apesar de todos estes pesares, “Brumas” acabou se configurando num ótimo filme, repleto de nuances, ótimas interpretações, boa carga dramática, mistura bem dosada de romance, aventura, mistério e até um pouco de humor. Gabin esbanja carisma no papel de marinheiro errante, Ida Lupino está radiante como a moça de passado misterioso, e Thomas Mitchell (o pai de Scarlett O´Hara em “…E o Vento Levou”) rouba as cenas em que aparece.
 
Uma bela cena de perseguição e morte num cais noturno que justifica o título brasileiro (o original é “Moontide”) dá o bem-vindo toque noir que potencializa o charme da produção.
Infelizmente “Brumas” não foi exibido imediatamente no mercado francês, onde a Fox esperava obter um bom lucro graças à popularidade de Gabin, pois Hitler banira os filmes norte-americanos do país dominado.
 
O ator fez ainda mais um filme em território estadunidente – “O Impostor”, para a Universal, mas retornou ao seu país antes mesmo do final da guerra, onde se engajou na luta contra o nazismo.
 
“Brumas” faz parte do 13º Volume da coleção Film Noir da Versátil.