EM DVD, “O DIABO E A MULHER” USA HUMOR PARA FAZER CRÍTICA SOCIAL.  

Por Celso Sabadin.

Desta vez não tem como falar mal do nosso título nacional: “O Diabo e a Mulher” é um nome tão inadequado em português quanto o original “The Devil and Miss Jones”. Primeiro porque sugere um filme de terror, o que nada tem a ver com a realidade, e segundo porque o longa é muito mais que um suposto embate de sexos cuja denominação poderia supor. Ah, não confundir com “The Devil in Miss Jones”, famoso pornô norte-americano dos anos 1970.

Na realidade, “O Diabo e a Mulher”, lançamento em DVD do selo Obras Primas, é uma ótima crítica social travestida de comédia romântica.  O roteirista Norman Krasna, que já havia sido indicado ao Oscar de roteiro original pelo filme “A Pequena Mais Rica do Mundo”, retoma o tema retratando agora um suposto homem mais rico do mundo, o Sr. Merrick, proprietário de várias empresas. Entre elas, uma grande loja de departamentos cujos funcionários estão descontentes com as condições de trabalho. O magnata só começa a se preocupar com a situação após o caso vazar na imprensa, e decide investigar a fundo, para poder demitir os responsáveis. Como ele é recluso e ninguém conhece seu rosto, o próprio empresário se emprega como vendedor em sua loja para descobrir o que está acontecendo. É ali, entre funcionários de classes média e média baixa, que Merrick tomará contato com uma nova realidade que ele sequer supunha existir.

Apesar de toda a trama remeter diretamente aos filmes “feel good” que Frank Capra fazia após a grande depressão de 1929, “O Diabo e a Mulher” tem direção de Sam Wood, prolífico cineasta que dirigiu mais de 80 filmes entre 1920 e 1950, incluindo “Adeus Mr. Chips”, “Kitty Foyle”, e “Em Cada Coração um Pecado”, todos indicados ao Oscar de direção. Wood também foi um dos famosos diretores demitidos por David O. Selznick durante a produção de “…E o Vento Levou”.

Produzido pela RKO, “O Diabo e a Mulher” se une a uma série de filmes realizados entre os anos 20 e 40 (“Metrópolis”, “Tempos Modernos”, e vários etcéteras) que denunciam os abusos da excessiva busca pelos lucros numa sociedade desigual. Logo após o final da 2ª Guerra, a temática seria problematizada pelo cinema norte-americano, que começaria a rotular os temas sociais como “comunistas”, passando a proibi-los.

Trata-se basicamente de um filme de estrutura clássica, e muito  simples, que deixa bem claras suas intenções humanitárias e não se propõe a ser surpreendente. Porém, a excelente sintonia de todo o elenco confere ao longa uma muito bem-vinda carga de empatia. O “homem mais rico do mundo” é vivido pelo carismático Charles Coburn, de “Os Homens Preferem as Loiras”, “A Invenção da Mocidade” e outras dezenas de títulos de cinema e televisão. Ao lado dele, Robert Cummings (presença constante em seriados de TV dos anos 50 até os 70) e a estrela Jean Arthur (que havia atuado em “O Mundo Nada se Leva” e “A Mulher Faz o Homem”, não por acaso, de Frank Capra) formam o par romântico dos funcionários proletários da loja exploradora. E a veterana Spring Byington (que também esteve em “O Mundo Nada se Leva”, além de dezenas de outros trabalhos em cinema e TV) dá ainda mais força e consistência ao elenco.

Destaque para a cena na qual o líder dos movimentos sociais da empresa dá uma verdadeira aula de direitos humanos e democracia para um policial autoritário. Hollywood demoraria muito para fazer outro filme neste tom.

Indicado aos prêmios Oscar de Roteiro Original e Ator Coadjuvante (para Cummings), “O Diabo e a Mulher” faz parte da caixa “Comédias Clássicas”, lançada pelo selo Obras Primas do Cinema.