EM DVD, “O MONSTRO DO ÁRTICO” É REFERÊNCIA HISTÓRICA DE TERROR E FICÇÃO.

Por Celso Sabadin.

Tido por estudiosos e especialistas como uma das principais matrizes da moderna ficção científica no cinema, “O Monstro do Ártico” certamente parecerá infantil ao espectador acostumado à enorme profusão de efeitos especiais e ao ritmo hipnótico das produções atuais, mas suas qualidades são inegáveis, mesmo após decorridos mais de 60 anos de sua estreia.

A partir do conto “Who Goes There?”, de John W. Campbell Jr., publicado pela primeira vez em 1938, o roteiro conta a história de um gigantesco e estranho objeto que cai no Polo Norte, próximo a uma estação norte-americana de pesquisas científicas, libertando a tal “Coisa” do título original. ou o tal monstro do título em português. Solto o monstro, começam o medo e a caçada, ou seja, nada muito diferente de vários filmes que todos nós já vimos. Há, porém, uma diferença fundamental: “O Monstro do Ártico” é uma espécie de marco inaugural deste gênero, e quase todas as produções que vimos dentro do mesmo estilo beberam em sua fonte de inspiração.

O filme traz conceitos que seriam bastante explorados posteriormente, como por exemplo sinalizar a presença e a angustiante proximidade do monstro através de um medidor de radiação, evitar o maior tempo possível mostrar a criatura (e, ao fazê-lo, tentar manter o mistério), explorar a eterna luta entre o pensamento militar e o científico e,  claro, associar a presença alienígena com o perigo do comunismo. O texto que originou o filme não tem este viés (nem caberia, pois foi escrito antes mesmo da 2ª Guerra), mas o produtor Howard Hawks, sempre bastante sintonizado com o conservadorismo norte-americano, introduziu na trama esta analogia, inserindo inclusive um forte “discurso de alerta” contra os perigos que vêm de fora, na patriótica cena final.

John Carpenter, que em 1982 refilmaria a história como “O Enigma do Outro Mundo”, afirma num dos extras do DVD que “O Monstro do Ártico” teria sido, na verdade, dirigido por Hawks, e não por Christian Nyby, como diz o crédito oficial do filme. É notável também a profusão e a rapidez dos diálogos (outra marca de Hawks), a forma como todos os personagens conseguem manter o bom humor e as tiradas cômicas, mesmo diante da aterrorizante situação, e a inexistência de um herói/protagonista. “O Monstro do Ártico” prioriza a ação em grupo, onde todos dividem responsabilidades e colaboram, sem a presença marcante de alguém que se destaque como líder. Os nomes dos atores sequer são listados nos créditos iniciais: todos são creditados somente no final do filme, e mesmo assim encabeçados pela ex-modelo Margareth Sheridan, estreando no cinema, num procedimento raro até hoje de se creditar as atrizes antes dos atores. Apesar da bela e forte presença na tela, Margareth não seguiu carreira de destaque no cinema, onde participou apenas de mais outros cinco filmes.

É evidente que não deixa de ser risível hoje em dia uma estação de pesquisas no Polo Norte ser construída com portas e janelas convencionais de madeira, com direito até a cortininhas de pano, como se vê no filme. Mas tais detalhes passavam despercebidos na época, e até hoje não conseguem empanar o brilho e o pioneirismo de “O Monstro do Ártico”, mal recebido pelo público em sua estreia, mas que aos poucos foi se tornando um clássico e uma referência obrigatória no gênero.