EM DVD, O RARO “GENUINE” ANTECIPA O PESADELO DO NAZISMO.

Por Celso Sabadin.
 
Aclamado como o ícone maior do Expressionismo Alemão, “O Gabinete do Dr. Caligari”, de 1919, é tido como a obra máxima de Robert Wiene. Provavelmente por isso mesmo, “Genuine”, que o diretor estreou no ano seguinte, tenha ficado eclipsado e até esquecido por tanto tempo.
 
Para fãs, estudiosos e curiosos do cinema mudo, o selo Obras Primas disponibiliza “Genuíne” como um dos extras da caixa Expressionismo Alemão Volume 3. A versão disponibilizada em DVD é a de 44 minutos, a única restante, de acordo com o livro de Christopher Workman e Howarth Troy, “Tome of Terror: Horror Films of the Silent Era”. O portal Imdb, por outro lado, informa que a versão integral, com exatamente o dobro da duração, pode ser vista no Museu do Filme, em Munique, Alemanha.
 
Discordâncias históricas a parte, o fato é que os 44 minutos de “Genuine” conseguem transmitir com eficiência o vigor da obra. O roteiro de Carl Mayer (também um dos autores da história do famoso “Cabinete”) retrata a personagem título (vivida pela norte-americana Fern Andra) como uma misteriosa princesa capaz de seduzir e dominar qualquer homem que ela deseje. Amaldiçoada, aprisionada e posta à venda como escrava, ela é comprada por um obscuro Lord Melo (Ernst Gronau), que a tranca em sua casa. Como todos os dias, pontualmente ao meio dia, o barbeiro Guyard (John Gottowt, que depois viveria o Professor Bulwer de “Nosferatu”) visita Lord Melo, logo a vizinhança começa a questionar toda esta estranha movimentação, originando manifestações de ignorância, intolerância e violência.
 
É impossível ver “Genuine” e não lembrar do magnífico estudo “De Caligari a Hitler”, que Siegfried Kracauer publicou em 1947, relacionando os filmes da República de Weimar (1919 – 1933) ao nazismo que se avizinhava. Falsas seduções, mentiras, intransigência, julgamentos sumários, linchamento… todo o horror que se aproximava da Alemanha e do mundo está – de certa forma – previsto no filme. E tudo com o desenho de produção do artista plástico expressionista Cesar Klein, que potencializa aqui as perspectivas distorcidas e os grafismos exagerados típicos da estética cinematográfica germânica daquele importante período. Não por acaso, Klein seria mais trde integrado à lista dos artistas “degenerados” que seriam banidos por Hitler, anos depois.
 
Há registros que “Genuine” eventualmente utilizou como subtítulo “A tale of a vampyre” (a história de um vampiro, ou de uma vampira), mas provavelmente isso tenha ocorrido apenas como uma forma de pegar carona no sucesso de “Nosferatu”, de 1922.
 
Sem querer das spoiler, no final de “Genuine” atribui-se todo o horror da trama apenas a um pesadelo do personagem Percy (Harald Paulsen). Na vida real, não foi bem assim…