EM “JULIETA”. ALMODÓVAR VOLTOU.

Por Celso Sabadin.

Muito se tem falado sobre “Julieta”, o novo filme de Pedro Almodóvar. Motivos não faltam. O primeiro e mais óbvio deles é que se trata de, como sempre dizem os créditos iniciais de seus trabalhos, “un film de Almodóvar”, o que por si só já é garantia de repercussão. Havia também uma grande expectativa em se saber se sua obra anterior, “Os Amantes Passageiros” teria sido apenas um deslize sem maiores consequências, ou se realmente sinalizava o início do fim da carreira do grandes cineasta (é incrível como tem gente que vive torcendo para que carreiras importantes decaiam!).

Fui assistir a “Julieta” com um certo atraso, sem dar muitos ouvidos aos comentários que fervilham por aí, e cheguei a algumas conclusões. A primeira delas é que um Almodóvar, ainda que mediano como “Julieta”, sempre fica bem acima da média da grande maioria dos filmes que chegam ao nosso mercado exibidor. Sim, pode-se dizer que “Julieta” não ganha um espaço de destaque no panteão dos melhores trabalhos do diretor, mas mesmo assim é uma obra notável repleta das fascinantes nuances que sempre permearam sua obra, e que – ufa! – comprova que “Os Amantes Passageiros” foi só um desvio temporário de rota já prontamente corrigido.

Aqui novamente Almodóvar se debruça sobre os indecifráveis meandros da alma feminina que ele conhece e expressa tão bem. O estilo almodovariano está claramente impresso na tela grande, seja nos generosíssimos closes com os quais ele brinda suas sempre expressivíssimas atrizes (e o público também, claro), seja nos intrigantes e apaixonantes roteiros circulares, nunca lineares, que o tempo todo brinca de esconde-esconde com a plateia, jogando falsas pistas, seduzindo, e traçando reviravoltas que vivem a nos fazer questionar, afinal, qual história ele vai nos contar. Tudo isso regado a uma trilha sonora que, novamente, mescla acordes de fundo hitchcockiano com canções de calientes sabores ibéricos.

“Julieta” fala de ciclos. De erros de vida que se repetem incessantemente contaminando gerações e relações que parecem fadadas à maldição da infelicidade. Como “vírus”, de acordo com o próprio roteiro. Como famílias, esta instituição tão questionada, tão frágil e quebradiça, mas que insistimos em continuar a fazê-las e refazê-las. O filme fala daquilo que não se fala, que se esconde. Do poder destrutivo da incomunicabilidade entre os que se amam e da maledicência entre os que se odeiam. De medos que, quando não exorcizados pela sinceridade e pela palavra, acabam se transformando em fantasmas de proporções incontornáveis. E ainda tem tempo de tangenciar a importante questão do fanatismo religioso, talvez de maneira não tão tangente quanto possa parecer.

A trama? Ora, a trama. “Julieta” é “un film de Almodóvar”. Não precisa mais que isso.