EM “MEU AMIGO HINDU”, BABENCO TRATA DE SEU TEMA FAVORITO: ELE MESMO.

Por Celso Sabadin.

Conhecido no meio cinematográfico pela rudeza no trato pessoal, o premiado cineasta Hector Babenco mergulha agora no trabalho mais autobiográfico de sua carreira, onde tem a oportunidade de exorcizar seus fantasmas, falar de seu tema favorito (ele próprio) e até de realizar uma corajosa autocrítica.

O filme é “Meu Amigo Hindu”, apresentado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo do ano passado, e remontado agora para sua estreia comercial, com alguns minutos a menos.

A trama é centrada (e põe centrada nisso) na longa agonia de Diego (Willem Dafoe, ótimo), um cineasta argentino radicado no Brasil que vai aos Estados Unidos para se tratar de um câncer. No processo, casa-se com a companheira de longa data (Maria Fernanda Cândido), sonha em fazer mais um filme antes de morrer, administra seu conflito interno entre realidade e fantasia, e até joga xadrez com o emissário da morte (Selton Mello), como no clássico “O Sétimo Selo”.

Logo de início, há uma dificuldade (específica para o público nacional) que distancia a plateia da tela: vários e conhecidos atores brasileiros, no Brasil, falando em inglês. Óbvio que o recurso visa o mercado internacional, e é amplamente usado nas mais diversas produções, mas é impossível relevar o estranhamento. Um estranhamento que tende a se dissipar durante a projeção, mas enquanto isso não acontece fica comprometida a tão necessária empatia do filme com o público. Em seguida, a longa cena da festa de casamento apresenta uma série de personagens os mais desagradáveis, grosseiros e interesseiros, o que se por um lado retrata a visão que o cineasta tem de seu próprio círculo de amigos e familiares (servindo inclusive para um mea culpa do polêmico diretor), por outro aumenta ainda mais o abismo tela/plateia, já que, diante da ojeriza provocada pelo grupo, reduzem-se as possibilidades de empatia.

Superadas estas duas primeiras grandes dificuldades, finalmente “Meu Amigo Hindu” começa a dar sinais de vida, e ganha em interesse ao retratar a longa e difícil recuperação vivida por Diego, o alterego de Babenco. Mas talvez seja tarde. Mesmo porque para quem acompanhou ou conhece os fatos e pessoas envolvidas neste hiato de oito anos no qual Babenco ficou sem filmar, “Meu Amigo Hindu” pode até trazer algum interesse. Mas para o espectador comum, o filme perde-se nos devaneios desta dolorida e autocentrada egotrip.

O filme estreia dia 03 de março.