EM TEMPOS DE POVO NA RUA, “HANNAH ARENDT” É UM FILME FUNDAMENTAL.

Bastante conceituada nos anos 80, principalmente pelos seus filmes “Os Anos de Chumbo” e “Rosa de Luxemburgo”, a diretora alemã Margarethe Von Trotta estava há bastante tempo ausente do circuito comercial brasileiro. Em seu país, ela tem alternado trabalhos em cinema e TV, com títulos que infelizmente não têm chegado por aqui.

Assim, é mais que bem-vinda a estreia no Brasil de “Hannah Arendt”, o mais recente longa de Margarethe. Que, como é de seu feitio, prova outra vez que não tem medo de meter a mão em vespeiro: “Hannah Arednt” trata da espinhosa e polêmica escritora e filósofa judia alemã que dá nome ao filme. Fugida do Nazismo na Segunda Guerra Mundial, Hannah (papel de Barbara Sukowa, que também viveu o papel título de “Rosa de Luxemburgo”) exila-se nos Estados Unidos onde passa a ter a liberdade suficiente para desenvolver seus textos e estudos filosóficos. Nos anos 50 – quando começa propriamente a ação do filme – já escritora e professora consagrada, Hannah recebe a notícia da prisão do criminoso de guerra Adolf Eichmann, que será julgado em Israel. Ela fica, então, fascinada com a possibilidade de assistir pessoalmente o julgamento, e se oferece como correspondente da revista “New Yorker” para empreender a viagem. Por que? “Por que nunca vi um nazista frente a frente”, diz ela.

Os problemas começam quando Hannah, na contramão da opinião pública, passa a defender a ideia que Eichmann não é esse monstro que a mídia pinta, mas apenas um funcionário burocrata de Hitler, incapaz de pensar por si só, que não pode ser responsabilizado pelo Holocausto. E mais: acusa vários líderes judeus de terem colaborado com o Nazismo. Nem é preciso dizer que o mundo cai sobre a cabeça de Hannah. Como sempre acontece com as opiniões que ousam ir contra a corrente, a opinião pública prefere julgar e condenar com ódio e rigor a ouvir os prováveis outros lados da questão.

Para contar esta corajosa história de intolerância, a diretora optou por uma narrativa sóbria, quase documental, onde a forma cinematográfica fica em segundo plano, provavelmente para não ofuscar o que o tema tem de melhor: seu fortíssimo conteúdo. A utilização de cenas reais do julgamento é brilhante e forte. Estilisticamente, tudo é muito simples, com planos e contraplanos corriqueiros e enquadramentos televisivos. Mas aqui não é isto que importa. Importa sim levantar a coragem desta mulher que ousou formular uma fascinante “Teoria da Maldade”, através da qual as grandes atrocidades da história da Humanidade são cometidas não exatamente pela crueldade humana, mas por males ainda maiores, como a omissão e a incapacidade de pensar.

Em época de povo nas ruas, “Hannah Arendt” é um filme fundamental.