EM VOD, “DENTRO DA MINHA PELE” DISCUTE RACISMO E LUGAR DE FALA.

Por Celso Sabadin.

Um dos temas mais explosivos, urgentes e polêmicos deste instante (a nova unidade de tempo nesta nossa contemporaneidade maluca é o “instante”) no Brasil é o combate ao racismo. Paralelamente, outro assunto surge com a mesma dose de urgência e pirotecnia: o lugar de fala. Como se fala do lugar de fala!

Foi com estas preocupações em pauta que Toni Venturi – cineasta branco – foi a campo conversar com pessoas negras para investigar aspectos do racismo endêmico, pandêmico e estrutural que assola nosso país.

A estrutura de “Dentro da Minha Pele” é composta por histórias de nove negros e negras com diferentes tons de pele que apresentam seu cotidiano na cidade de São Paulo e compartilham situações de racismo, dos velados aos mais explícitos. São eles o médico Estefânio Neto, a modelo-performer Rosa Rosa, os estudantes universitários Wellison Freire e Jennifer Andrade da Faculdade Getúlio Vargas,  a funcionária pública e ativista trans Neon Cunha, a trabalhadora doméstica Neide de Sousa, a corretora de imóveis Marcia Gazza, e o casal que espera um bebê: a professora do ensino público Daniela dos Santos com o garçom Cleber dos Santos.

Sem roubar o protagonismo das histórias pessoais, seis pensadores negros fazem reflexões sobre o racismo no Brasil: Cida Bento (psicóloga), Cidinha da Silva (escritora), Joice Berth (arquiteta), José Fernando de Azevedo (dramaturgo e pesquisador), Salloma Salomão (historiador e músico) e Sueli Carneiro (filósofa). Inserções pontuais de três cientistas sociais brancos completam as entrevistas, Jessé Souza (sociólogo), Lia Vainer Schucman (psicóloga) e Adilson Paes (Tenente-coronel da Polícia Militar).

Mais do que expor e narrar histórias relacionadas ao racismo, o longa abre a questão de estar sendo realizado por um homem branco classe média, mesmo que ele tenha chamado uma mulher negra – Val Gomes – para codirigir o projeto. Porque codirigir não é exatamente dirigir, como chama a atenção uma das entrevistadas.

Fala o diretor: “Apesar da consciência crítica que atravessa a minha obra, a questão racial não havia sido tratada como o tema central das desigualdades de classe que marcam o Brasil. A partir de 2015, na medida em que o país submergia na instabilidade política, sentia que precisava entender melhor as entranhas desta sociedade contraditória e paradoxal. Percorrendo as quebradas de São Paulo, vi o quanto a cor da pele é um marcador que determina os destinos sociais. Coloquei-me frente ao espelho. Enxerguei os privilégios de um neto de imigrantes italianos que em 1906 aportaram nesta terra, favorecidos por políticas públicas que buscavam embranquecer uma nação forjada por mulheres e homens negros recém libertos da infame escravidão. Como eu, cineasta branco da classe média alta, posso falar sobre o racismo e contribuir para o pensamento antirracista? Convidei a socióloga Val Gomes, índia e negra, para se debruçar sobre as raízes da questão racial e mergulhamos numa experiência fílmica que transformou nossa visão do país e a nós mesmos.”

E, claro, fala a codiretora: “Comecei a trabalhar no projeto como pesquisadora e à medida que as minhas opiniões iam produzindo efeitos e reflexões no diretor fui convidada a assumir novas responsabilidade. As contribuições a partir da minha formação intelectual e bagagem histórica, enquanto mulher negra e indígena, foram reconhecidas ao longo do processo até tornar-me codiretora. Codirigir o documentário possibilitou a construção de uma narrativa singular em que está imbricado o olhar negro e branco, ao mesmo tempo, tensionando a relação necessária para a produção de novos olhares.”

Vale a coragem, vale a polêmica, vale a abertura de pensamentos e consciências. “Dentro da Minha Pele” é um filme para ser visto e debatido.

A estreia aconteceu em 23 de agosto, pela plataforma GloboPlay.