EMPOLGANTE, “O JOGO DA IMITAÇÃO” É UM FILME SOBRE GUERRAS AINDA NÃO TERMINADAS.

Por Celso Sabadin.

Alguém já disse que a primeira grande vítima de toda e qualquer guerra é a verdade. O belo e empolgante “O Jogo da Imitação” traz à tona mais uma das incríveis e incontáveis verdades de guerra que até há bem pouco tempo eram escondidas a sete chaves.

Baseado no livro “Alan Turing: The Enigma”, de Andrew Hodges, o filme conta como um grupo de tresloucados matemáticos, estudiosos e linguistas britânicos conseguiu quebrar a criptografia das mensagens secretas nazistas, mudando assim todo o curso da Segunda Guerra Mundial, num segredo que ficou impedido de vir a público por cerca de 50 anos, mesmo após terminado o conflito. A primeira pergunta que vem à cabeça é o que teria de tão importante e sensacional uma quebra de criptografia para ser considerada secreta mesmo após meio século. E é aí que residem os aspectos que tornam “O Jogo da Imitação” muito mais que um simples drama/suspense de guerra bem realizado: a quebra do segredo alemão é apenas o pontapé inicial de um enredo que explora o preconceito, a crueldade humana, os jogos de egos e interesses e, de quebra, até o feminismo.

Sem querer estragar a surpresa de ninguém, o fato dos matemáticos britânicos terem superado a tecnologia de guerra nazista ao descobrir os segredos da máquina Enigma abre uma cruel e delicada questão ética: quebrado o segredo, de posse das mensagens alemãs, agora o alto comando aliado precisa decidir em quais ataques nazistas eles vão intervir, e em quais eles não intervirão. Em outras palavras: os aliados passam a brincar de Deus, escolhendo quem, entre seus iguais, vai morrer, e quem vai sobreviver. Deixar os compatriotas morrer passa a ser uma estratégia de guerra.

Tudo isso enquanto o conflito se desenvolve, pois terminada a Guerra surge uma outra delicada questão a ser resolvida: Alan  Turing, o líder do grupo de estudiosos, tido como o principal responsável pela quebra dos códigos e, consequentemente, pela virada aliada sobre os nazistas, até então em vantagem estratégica, é acusado de ter cometido o terrível e imperdoável crime de ser homossexual, atividade completamente ilegal no
Reino Unido daquela época. Como deixar vir à tona a informação que a 2ª Guerra Mundial foi vencida pelos aliados graças à genialidade de um homossexual? Melhor fazer o que os governos mais sabem fazer: esconder tudo, enterrar tudo durante décadas.

Assim, engana-se quem acredita que “O Jogo da Imitação” é apenas um ótimo “filme de guerra”. O diretor norueguês Morten Tyldun, neste que é seu primeiro longa a chegar ao circuito brasileiro, faz de seu filme uma denúncia dupla, tanto contra às atrocidades cometidas pelos próprios aliados, como à estupidez das autoridades que condenam a homossexualidade. Tudo isso embalado por um excelente ritmo que garante o suspense durante toda a narrativa, um magistral jogo de tensões entre os vários personagens que conduzem a ação, uma preciosa reconstituição de época, e a uma impecável atuação de Benedict Cumberbatch no papel principal.

Mais que um filme de guerra, “O Jogo da Imitação” é um filme de guerras. De guerras que ainda não acabaram, como a do preconceito e a da estupidez.