“ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA” REAFIRMA NOVAMENTE O TALENTO DE MEIRELLES.

Entra finalmente em cartaz um dos filmes mais comentados e esperados do ano: “Ensaio Sobre a Cegueira”, adaptação cinematográfica que Fernando Meirelles (“Cidade de Deus”) fez a partir do livro de José Saramago que muitos julgavam “infilmável”. Não era. Não só o filme foi aprovado pelo autor do livro, como o resultado final é dos mais intrigantes.

O clima é de fim de mundo, de hecatombe, seguindo aproximadamente a linha de “Filhos da Esperança” (coincidentemente, também com Julianne Moore) ou mesmo “Eu Sou a Lenda” (coincidentemente, também com Alice Braga). Porém, “Ensaio Sobre a Cegueira” traz um enorme, gigantesco diferencial sobre os citados: ele não é uma mera ficção sobre o fim dos tempos, mas sim um tratado sobre a própria condição do ser humano.

O pretexto para tais análises existenciais parte de uma inexplicável e aterradora epidemia de cegueira. De um segundo para outro, sem nenhum fator lógico, uma após as outras as pessoas perdem a visão, e passam a enxergar tudo branco, e não preto, como seria a cegueira convencional. Sem distinção de cor, sexo, idade ou classe social. A doença equaliza a todos. Não há mais ricos e pobres, negros ou brancos. Só cegos. Com a única – e também inexplicável – exceção da personagem de Julianne Moore, uma mulher sem nome. Aliás, nenhum personagem tem nome no filme, o que enfatiza ainda mais o caráter nivelador da epidemia.

A cegueira deixa mais claras as personalidades dos envolvidos. O verdadeiro interior de cada um vem à tona, para o Bem e para o Mal. Em meio à ignorância sobre o acontecido, a sociedade tenta se reorganizar, agora sob novas e implacáveis regras. Camadas de poder se (re)estabelecem. As leituras e sub-leituras da situação são inúmeras e instigantes. “Ensaio sobre a Cegueira” é o bem-vindo cinema que faz pensar.

Cinematograficamente, tudo é muito bem resolvido. Interpretações, roteiro, direção de arte que cria uma gigantesca cidade fantasma com várias tomadas realizadas na capital paulista, e principalmente a fotografia esbranquiçada de César Charlone, que “cega” o espectador como os personagens da trama. Talvez haja um excesso de texto narrado, pecado menor para um grande filme. .

Co-produzido por Brasil, Japão e Canadá, “Ensaio Sobre a Cegueira” reúne elenco, produtores e técnicos internacionais. Um verdadeiro produto da inevitável globalização que atinge a todos. Como uma doença inexplicável.