ENTRE ERROS E ACERTOS, “CARTOLA” EMOCIONA

Uma boa notícia: o Brasil está deixando de ser um país sem memória. Graças à intensa produção de documentários, aos poucos vamos apagando do nosso próprio inconsciente coletivo aquela velha ladainha que somos um país que desconhece o seu passado.
Agora, chega às telas de cinema o documentário “Cartola”, um importante registro da vida, da obra e do universo de um dos nossos maiores compositores. Um dos fundadores da Mangueira, em 1928, sambista de altíssima categoria e boêmio convicto, Agenor de Oliveira, o popular Cartola, só chegou a gravar seu primeiro disco aos 65 anos de idade. E isso graças à boa vontade e ao espírito pesquisador do produtor musical Marcus Pereira, que desenvolvida um seriíssimo trabalho de regate cultural das tradições musicais brasileiras (e que acabou se suicidando anos depois).
A trajetória de Cartola é contada pelos cineastas pernambucanos Hilton Lacerda e Lírio Ferreira, respectivamente roteirista e diretor de “Árido Movie”. Ambos procuram dar ao tema um tratamento de cores inusitadas, recorrendo a artimanhas cinematográficas que por vezes funcionam bem, por vezes nem tanto. Mostrar – literalmente – o Brasil andando para trás, no período da ditadura, soa um pouco colegial, ao mesmo tempo em que recorrer à tela totalmente negra para ilustrar uma fase obscura do personagem consegue um impacto interessante.
Há espaço também para alguma reconstituição ficcional (idéia que os cineastas parecem abandonar no meio do caminho) e testemunhais emocionados e emocionantes. Em determinadas cenas, “Cartola” se utiliza do próprio cinema para tecer comentários visuais sobre o tema enfocado. Como, por exemplo, usar cenas de “Rio 40 Graus” para ilustrar o problema dos “compositores de aluguel” e da compra e venda de sambas.
Entre erros e acertos, o filme tem o mérito inquestionável de levantar não apenas fatos da vida e belos momentos musicais de Cartola, como também retratar a própria alma carioca (em particular) e brasileira (por extensão) do período de vida do compositor. Chega a ser um belo retrato do próprio século 20, num empolgante resgate de imagens históricas.
A memória brasileira agradece.