ESPANHOL “CAÓTICA ANA” É INQUIETANTE E NÃO FAZ QUESTÃO DE AGRADAR.

Os filmes do roteirista e diretor basco Julio Medem sempre são desafiadores. De múltiplas camadas e não raras vezes simbólicos, seus trabalhos anteriores, Lucia e o Sexo e Os Amantes do Círculo Polar, só para citar dois exemplos, provam que se trata de um cineasta inquieto e provocador. Talvez, porém, Medem tenha provocado um pouco demais em Caótica Ana, seu mais recente trabalho e certamente um dos menos palatáveis de sua carreira de quase 25 anos.

A Ana do título (a bela estreante Manuella Vellés) é uma jovem de 21 anos que vive em condições praticamente hippies, expondo seus quadros e morando com seu pai (quem diria) numa caverna na paradisíaca ilha de Ibiza. Ainda não se sabe bem por que, mas a menina tem estranhas visões e detesta aulas de História. Até que uma mecenas (Charlotte Rampling) oferece a Ana a oportunidade de morar numa comunidade de artistas em Madri, onde ela poderia estudar e se desenvolver no mundo das artes sem a preocupação da ganhar dinheiro.

É na capital que Ana conhece Said (Nicolas Cazalé), um estudante árabe vindo de um trágico passado familiar ocorrido em algum lugar entre Marrocos e Argélia. Mais um filme europeu sobre os problemas da imigração? Não exatamente. O fogoso e perturbador encontro entre Ana e Said abre espaço para um roteiro inusitado, no qual a protagonista se verá obrigada a confrontar não apenas com seu passado, mas com várias de suas vidas anteriores, numa mistura de drama e terror, temperada com sabores cinematográficos nem sempre fáceis de digerir.

O filme não trabalha num registro realista. É mais uma fábula de horror que exige do espectador uma boa dose de abstração e desprendimento para que a história possa fluir. Embarca-se ou não. Fala-se de culpa, de sexo, de morte (muita morte) e até da Guerra do Iraque. E uma cena escatológica é particularmente incômoda.

Completando 50 anos, Medem não esconde sua intenção de chocar e não parece muito preocupado em agradar. E tampouco esconde que escrever e rodar Caótica Ana foi uma forma de exorcizar a morte da própria irmã, de nome Ana, falecida justamente na estréia de uma exposição de arte que protagonizaria. São da irmã morta os quadros da Ana do filme. O que já dá uma dimensão do peso de tudo aquilo que se vê na tela. Vá preparado.