“ESTOU ME GUARDANDO PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR” É SOBRE TODOS NÓS.

Por Celso Sabadin.

Realizado por Marcelo Gomes (o mesmo do ótimo “Cinema Aspirina e Urubus”), “Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar” é um documentário sobre uma pequena cidade no nordeste brasileiro onde praticamente toda sua força de trabalho é direcionada à confecção de jeans. Esta é uma maneira de ver o filme. A maneira mais restrita, diga-se. Na verdade, o longa se apropria da situação da pequena Toritama, Pernambuco, para dar um fortíssimo soco no estômago em todos: Toritama é o mundo, e seus habitantes somos todos nós.

Em Toritama, trabalha-se alucinadamente. Manhã, tarde, noite,  na fábrica, em casa, na sala, no quarto, na cozinha, na calçada, sempre. A fabricação de jeans praticamente aboliu a agricultura e a pecuária. O trabalho na confecção de roupas é repetitivo, mecânico, emburrecedor. Um robô poderia fazê-lo. Nas raras horas de folga, vê-se “um pouco de televisão”, como diz uma moradora. Não há, pelo menos no filme, nenhuma manifestação de cultura ou lazer na cidade. Nem um boteco no final do expediente. Louva-se a Deus na própria fábrica, enquanto se trabalha. Produz-se de segunda a sábado. No domingo, vai-se à feira para vender o que foi produzido. O trabalhador se diz feliz, pois é autônomo, não tem patrão, ganha pelo que produz. Não tem benefícios legais, aposentadoria, nada. Mas se diz feliz com a “liberdade”. Após 51 semanas de trabalho, o toritamense finalmente se permite o prazer supremo de tirar férias para passar o Carnaval no litoral. Mas, para isso, não tem dinheiro. Trabalhou o ano inteiro, muito, repetidamente, se diz feliz, e não tem dinheiro para sua única semana de férias no ano. É preciso, então, vender alguma coisa: geladeira, celular, televisão. Para isso, faz-se outra feira. Vende-se o pouco que tem e brinca-se o Carnaval, satisfeito. Na volta, ele pensará como repor o bem vendido. Talvez com alguma dívida. E assim será ano a ano, até a morte chegar.

Troque agora Toritama por qualquer outra cidade. Troque a confecção de jeans por qualquer outra atividade estafante. E temos assim, neste simples documentário, um retrato cruel de como o Capitalismo cooptou corações, mentes e mão-de-obra. O resultado é desesperador.  O filme – com uma certa pegada Eduardo Coutinho no entrevistador – é um achado. Em menos de 90 minutos, “Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar” é um curso de Antropologia/ Economia/ Política/ Ciências Sociais sob a forma de cinema. Uma preciosidade. Não veja se estiver deprimido.