ESTREANDO EM VOD, “ZONA ÁRIDA” É RELATO PERPLEXO DO CONSERVADORISMO.

Por Celso Sabadin.

A jovem cineasta Fernanda Pessoa já havia chamado minha atenção com seu longa de estreia, o documentário “Histórias que Nosso Cinema (não) Contava”, extenso trabalho de pesquisa e colagem comprobatório que, contrariamente à voz comum, a pornochanchada brasileira dos anos 1960 e 70 tinha, sim, um viés político.

Assim, não foi por acaso que estranhei, a princípio, sua proposta para este seu segundo filme, “Zona Árida”. Revisitar uma cidadezinha careta do deserto norte-americano? Pra quê? Foram necessários poucos minutos de filme para minha estranheza se transformar em encantamento.

A proposta do longa é exorcizar os fantasmas republicanos de 15 anos atrás, quando a então adolescente estudante futura cineasta realizou um intercâmbio na cidade de Mesa, Arizona, EUA. Agora profissional, Fernanda retornou ao seu antigo sonho juvenil transformado em pesadelo. E com total paciência investigativa conversou com várias personagens que conheceu por ali na ocasião de sua primeira passagem.

Engana-se quem pensa que “Zona Árida” poderia ser uma ego trip da diretora. Pelo contrário. Ao investigar o microcosmo de Mesa, Fernanda escancara minuciosamente a mentalidade desta cidade que foi considerada, em estudo de próprias universidades estadunidenses, a mais conservadora deste já conservador país. Os depoimentos são tão desoladores quanto o deserto que cerca o local. Uma senhora entende o significado da palavra “conservador” como sendo sinônimo de “mente aberta”, capaz de compreender com equilíbrio todos os lados de uma questão, E se orgulha disso. Referindo-se aos imigrantes, uma jovem – outrora rebelde, no dizer da cineasta – não consegue entender porque os norte-americanos deveriam ajudar financeiramente pessoas vindas de outros países dos quais ela mal ouve falar, “como França e Brasil”, por exemplo. “Ele não podem simplesmente ficar em seus lugares?”, ela pergunta. Um rapaz neto de mexicanos afirma saber que o Arizona foi tomado a força dos indígenas e dos próprios mexicanos, séculos atrás, mas ele parece não se importar com isso, enquanto se diverte com seu passatempo preferido: treinar num estande de tiros. As armas, por sinal, estão fortemente presentes no lugar. Um colecionador delas exibe orgulhoso suas peças, com destaque para um fuzil AR-15 “ideal para mulheres, por ser mais leve”, diz, com a desenvoltura e o entusiasmo de um vendedor de lingerie. E os depoimentos se sucedem num conservador circo de horrores capaz de provocar orgasmos em gigantescas boiadas de bolsominions. E lembrando que o filme foi feito antes da eleição de Trump.

Premiado com menção honrosa no Dok Leipizig, um dos festivais de documentário mais tradicionais do mundo, “Zona Árida” estreia nesta quinta (08/10) nas plataformas digitais NET, Vivo e Oi.  No mesmo dia da estreia será lançada uma plataforma interativa, http://www.zonaarida.com.br, onde é possível navegar e conhecer mais a cidade.

Só fiquei curioso em relação a como os depoentes reagirão ao ver o filme. Provavelmente captarão muito pouco, quase nada da perplexidade destilada pela cineasta.