“EU, CAPITÃO” TENTA SE COMPADECER, MAS DESRESPEITA.
Por Gustavo Meca.
O diretor Matteo Garrone, de modo culposo ou não, usa das dores de seus personagens para tentar manipular uma narrativa comovente, mas sob uma ótica imperialista de um cinema “tecnicamente bonito”, que não se conecta com as histórias daquele povo retratado.
“Eu, Capitão”, representante da Itália no Oscar de “Melhor Filme Internacional” desenvolve a jornada de Seydou (Seydou Sarr) e Moussa (Moustapha Fall), dois jovens senegaleses que traçam seu caminho rumo à Itália em busca de uma suposta vida melhor. É aí que a narrativa impiedosa do diretor começa a se revelar, em meio aos tormentos que os jovens, e todo o povo que os acompanha, estavam prestes a passar.
A partir disso, o filme começa a desenvolver seu caráter distanciado e cruel de representar as dores dos refugiados. O diretor acaba repetindo a própria realidade na ideia de soar compadecido, como se a intenção de apenas representar, ao seu modo, fosse suficiente para concretizar uma narrativa verdadeiramente respeitosa. Na verdade, o que acontece é o contrário, demonstrando uma exploração (se já não bastasse a do mundo real) feita através do poder da sua câmera.
A intenção em si pode até não ser das piores, mas é mais uma vez a reprodução de um ideal europeu/hollywoodiano de enternecer-se por povos que sofrem pela responsabilidade dos próprios países imperialistas. O feitio de filmar os percalços alheios já serve como “trabalho feito”; o lucro, a visibilidade e as premiações ficam acima de qualquer coisa.
Se não fosse suficiente tamanha inculpabilidade, a narrativa basicamente estrutura-se em pontos-chave de acontecimentos: um primeiro obstáculo, seguido de uma superação, um novo sofrimento, a redenção, e assim por diante. E, ao tentar relacionar esses pequenos atos, vemos um amontoado de cenas vazias e pretensiosas, que de pouco fazem efeito, visto que Garrone entende que o cume da emoção já estaria presente nas cenas “importantes”.
Ao todo, poucas coisas de “Eu, Capitão” acabam interessando, uma delas é a presença dos atores principais, que passam sentimento e alguma construção mais latente de dramaturgia, que às vezes a trama pede. Além disso, a representação cultural que o primeiro terço do filme faz do povo senegalês não é descartável. Mas, em síntese, tudo passa pela mesma concepção problemática da direção, que, mesmo combinando com a visão da Academia, provavelmente saia de mão abanando da premiação do Oscar.