“EX-PAJÉ”, TRISTE RELATO DA EVANGELIZAÇÃO PREDADORA.

Por Celso Sabadin.

Muito se fala que a História é cíclica. Mas no Brasil esta ciclicidade (existe essa palavra?) parece assumir contornos e proporções absurdas. Se há mais de 500 anos a cultura enraizada nesta terra foi invadida por brancos europeus que vieram tentar substituir – nem que seja na marra – as crenças indígenas pela iconografia cristã, agora a História se repente dentro de uma realidade um pouco diferente, mas estrutural e assustadoramente similar.

É isto que mostra “Ex-Pajé”, escrito e dirigido por Luiz Bolognesi (o mesmo da animação “Uma História de Amor e Fúria”), filme vencedor do prêmio da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema)  como melhor documentário da

Competição Brasileira do Festival É Tudo Verdade, além do

prêmio especial do Júri Oficial de Documentários da Mostra Panorama, no Festival de Berlim.

“Ex-Pajé” mostra a trajetória de Perpera, um índio da tribo Paiter Suruí que viveu até os 20 anos num grupo isolado na floresta, tornando-se pajé. Porém, sua pajelança contemporânea foi desqualificada em sua comunidade pela ação de um pastor evangélico, que vendeu a todos o conceito que os atos do pajé são coisas do Demo. Perpera agora é um ser dividido entre uma suposta fachada que precisa manter para continuar fazendo parte da sua sociedade, e suas crenças mais profundas.

A imagem de Perpera cruzando silenciosamente a floresta mal ajambrado em trajes sociais, com direito a gravada e sapatos, vale por si só mais que uma centena de teses de doutorado.

A partir daí, é tão infinita a quantidade de leituras sociais, religiosas, culturais, antropológicas, históricas e sei lá mais o quê que o filme incita que a aparente simplicidade de “Ex-Pajé” se reveste de uma profundidade ímpar, um misto de indignação, tristeza e desconsolo por um país que a cada dia mais se desintegra ao som da ignorância e à luz da mais retumbante imobilidade deste povo que de heroico não tem nada.