EXCESSO DE NARRAÇÃO PREJUDICA O BOM “O SILÊNCIO DO CÉU”.

Por Celso Sabadin. 

Frequentadores de festivais e de cinemas fora de shoppings já se acostumaram a ver e a aplaudir os curtas e longas realizados pelo coletivo paulista Filmes do Caixote. Formado pelos realizadores Caetano Gotardo, João Marcos, Sergio Silva, Marco Dutra e Juliana Rojas, o Filmes do Caixote trabalha intercambiando funções. Marco Dutra e Juliana Rojas, por exemplo, dividiram o roteiro e a direção de “Trabalhar Cansa”. Dutra também compôs as músicas de “O que se Move”, em parceira com Gotardo, o diretor do filme. Juliana, além de codirigir e corroteirizar “Trabalhar Cansa”, montou “O que Se Move”, de Gotardo, que por sua vez, montou “Trabalhar Cansa” E assim por diante, num trabalho que até o momento já rendeu mais de 40 produções.

Agora, no longa uruguaio-brasileiro “O Silêncio do Céu”, Gotardo e Dutra saem por um momento do caixote para integrar esta produção da festejada brasileira RT Features (a mesma produtora de “Frances Ha” e “O Gorila”). A partir do livro do argentino Sergio Bizzio (autor também de “XXY”),  Gotardo, Lucia Puenzo (que também roteirizou “XXY”) e o próprio Rizzo desenvolveram o roteiro que ficou sob a direção de Dutra.

“O Silêncio do Céu” começa intenso, sem preliminares, com cenas fortes de um estupro. Num primeiro momento, associando o estupro ao nome do filme, a primeira ideia que nos vem à cabeça é que veremos uma história sobre o medo da vítima em denunciar o crime. Mas logo se percebe que o longa é muito, muito mais que isso, muito mais que uma denúncia, e que vai muito além do ato de violência de seus primeiros minutos.

Aos poucos se desenha o drama familiar de Diana (Carolina Dieckmann), uma estilista brasileira casada com o roteirista uruguaio Mario (Leonardo Sbaraglia). Morando em Montevidéu com seus dois filhos, o casal tenta se reerguer de uma intensa crise conjugal. O relacionamento entre ambos é alicerçado sobre uma estranha simbiose que une as fobias de Mário à capacidade de Diana em identificá-las. São medos intensos e inconfessáveis que encontram ecos numa silenciosa cumplicidade doentia para formar a amálgama de um casal que caminha perigosamente na tênue fronteira que divide o amor e a violência.

Correndo o risco de me tornar repetitivo, e ratificando aqui um velho tema sobre o qual já discorri várias vezes, é meu triste dever informar que “O Silêncio do Céu”, novamente, sucumbe ao terrível vírus que infestou boa parte do cinema brasileiro dos últimos anos: a “narração em off”.  Este recurso que distancia o filme da linguagem cinematográfica e o aproxima da linguagem radiofônica surge aqui em doses cavalares, verbalizando maciçamente as ideias, passados, planos, pensamentos e sentimentos dos seus protagonistas, contaminando mortalmente a narrativa.

O que é uma pena, pois a direção do longa é primorosa. Cada vez que esta direção nos arrebata com a elegância de seus enquadramentos,  com a intensidade de seu suspense, com a profundidade de seu drama e com a complexa construção de seus personagens, surge o vírus do off para nos derrubar da poltrona, nos tirar do filme e dizer: “bobinho, isto é cinema, tudo mentirinha, não leva a sério”. Anticlimax total de uma belíssima história que provavelmente deve funcionar melhor nas páginas do livro –  estas sim talhadas para o verbo – que na mágica tela de cinema criada para as imagens.

Estreia nesta quinta, 22/09.