FÁBULA POLÍTICA “EU NÃO SOU UMA BRUXA” ENCANTA COM FRESCOR AFRICANO.

Por Celso Sabadin.
 
Uma fábula africana, escrita e dirigida por uma mulher nascida e criada na Zâmbia, interpretada totalmente por atores nativos, falada majoritariamente nos dialetos Nyanja, Bemba e Tonga, e denunciando fortes questões socioculturais da África, foi o filme que concorreu ao Oscar 2019 de melhor produção estrangeira representando… a Inglaterra!
“Eu Não Sou uma Bruxa” é uma belíssima coprodução entre Zâmbia, Inglaterra, França e Alemanha que – assim como tantas outras coproduções – escancaram diante do olhar de todos que a Era Colonial está bem longe de terminar. Tudo no filme é africano, menos sua extensa lista de onze produtores, coprodutores e produtores executivos, ou seja, os “donos” do filme, todos europeus. Lembrei de repente do aclamado “Shaft”, de 1971, filme festejado como o maior representante do movimento Blaxpoitation, que naquele momento histórico de novos ventos sociais “davam voz” aos negros, com atores e diretor afro-americanos contando uma história de personagens afroamericanos dentro de um universo afroamericano… e produzido por brancos. Lembrando que o produtor é sempre o dono do filme.
 
Neocolonialismo a parte, falando mais especificamente do filme, “Eu Não Sou uma Bruxa” é uma preciosidade. Em ritmo de alegoria e fácula, este longa metragem de estreia da ex-atriz Rungano Nyoni situa-se em algum lugar qualquer do imenso continente africano, onde mulheres são presas e condenadas a trabalhos forçadas pelo simples fato de serem acusadas de bruxas. A autoridade local, porém, representada pela patética figura de um certo “Ministro do Turismo e das Crenças Tradicionais”, posa de boazinha fornecendo às “bruxas” longas fitas de pano que lhes proporcionam uma certa mobilidade, mesmo presas e amarradas. Tal mobilidade, claro, lhes permite trabalhar mais.
 
Transitando com muita desenvoltura pelo sarcasmo, humor, drama e ferina crítica social, “Eu Não Sou uma Bruxa” é um trabalho de grande frescor criativo que levanta questões humanas e políticas das mais contundentes, sem jamais cair no panfletário nem abandonar seu constante ar de indignação.