“FÉ E FÚRIA” DENUNCIA FACÇÕES CRIMINOSAS EVANGÉLICAS.

Por Celso Sabadin.

Às vezes, nós, críticos de cinema, assistimos a filmes tão – digamos – equivocados, que já há um bom tempo existe uma brincadeira interna dizendo que, dependendo da obra, deveríamos receber um “adicional por insalubridade”.

Pois bem. Como tem acontecido com muitas coisas neste país, o que era uma brincadeira virou uma triste realidade de 2016 para cá. Agora não por causa da qualidade dos filmes, mas em função de seus temas: nestes últimos anos, vimos e estamos vendo tantos longas abordando assuntos tão tristemente verdadeiros, temas tão revoltantemente verídicos, que deveríamos receber algum adicional para cuidar de nossa saúde mental.

“Democracia em Vertigem”, “A Torre”, “Segredos de Putumayo”, “Ex-Pagé” e tantos outros ótimos longas nos encantam enquanto cinema e nos derrubam moralmente pelas suas capacidades de nos exibir e denunciar as verdades torpes deste país.

A partir deste 15 de outubro, podemos adicionar mais um longa a esta lista: “Fé e Fúria”, dirigido por Marcos Pimentel, com roteiro de Ivan Morales Jr. e do próprio diretor.

“Fé e Fúria” investiga e relata com dolorosa clareza a intolerância contra as religiões de matrizes africanas perpetrada violentamente por facções criminosas evangélicas. Uma verdadeira guerra “santa” (que de santa nada tem) que corrói as mais diversas estruturas sociais brasileiras com o veneno do ódio, ao mesmo tempo em que alimenta as milícias criminosas que têm dominado o país com mais intensidade, de 2018 para cá.

Focado em favelas, comunidades e subúrbios do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o filme registra episódios de massacres de minorias, relações criminosas entre religião e poder, racismo, fascismo, Bíblia e Deus utilizados para justificar o injustificável, poder armado, tráfico, um pouco de tudo.

E mais: aborda também os chamados “donos dos morros”, abrindo espaço para que traficantes evangélicos e ex-traficantes hoje convertidos discorram sobre o tema. É de revirar o estômago.

Ao final – e isso não é spoiler – vem a revelação mais assustadora: todos os depoimentos e entrevistas foram gravados entre setembro de 2016 e julho de 2018. É desesperador imaginar como a situação certamente piorou, de lá para cá, em relação às atrocidades que o filme já mostra.

“Fé e Fúria” teve sua première mundial no conceituado IDFA – International Documentary Filmfestival Amsterdam, em 2019, e estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 13/10, em Belo Horizonte, Brasília, Manaus, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Rio Branco, Salvador e São Paulo.