“FERNANDA YOUNG FOGE-ME AO CONTROLE”: PRESERVANDO O LEGADO ATRAVÉS DE SI MESMA.

Por Rafael G. Bonesi

 

Em grande parte dos documentários sobre pessoas que já partiram, existe uma limitação narrativa de representá-las pelos olhos e falas de outros, com um filme composto de entrevistas que revelam como o biografado era através das memórias de quem o conheceu.

Mas esse não foi o destino de Fernanda Young em “Fernanda Young Foge-me ao Controle”. Susanna Lira toma a decisão certeira de não permitir que outros falem sobre a vida e história de Fernanda, conduzindo a narrativa com entrevistas dadas pela mesma e leituras de seus textos. Através dessa decisão, possibilita que o público tenha uma conexão infinitamente mais forte com a figura emblemática dessa escritora.

Conduzido pelas imagens de arquivo sobre Fernanda, com suas entrevistas, vídeos caseiros e trechos de histórias que roteirizou, o público a conhece da forma que a própria decide se apresentar para o mundo. Ouvimos dela mesma sobre tudo em que acredita, como vê o mundo e até mesmo os momentos em que decide mudar de ideia. A escolha de limitar comentários externos traz ao documentário grande genuinidade, permitindo que a personagem se expresse (de forma que fica extremamente clara) o quanto ela detestaria que outras pessoas falassem quem ela era. Afinal nem ela mesma tinha certeza, e amava estar em constante mudança.

Essa mesma constituição de imagens de arquivo traz uma complicação estética. Como apresentar todos esses temas sem causar cansaço ao público? Como não tornar o filme um aglomerado de entrevistas que poderiam ser vistas no youtube? Susanna traz sua resposta transformando a linguagem do filme. Ao assumir a aparência de uma colagem, os relatos e entrevistas são editados para possuírem a aparência de gravações em película, criando uma estética única que se mescla perfeitamente com trechos de filmes dos anos 20 e 30, que também são adicionados à obra como um método de ilustração das ideias e conceitos que o personagem compartilha com o público.

Tal criatividade estética, entretanto, acaba tropeçando em si mesma por alguns momentos, quando essa colagem de cenas antigas e imagens de Fernanda se torna um mergulho demasiadamente longo e prejudicial ao ritmo do filme, causando uma sensação de que sua duração é maior que a realidade, prejudicando também o foco do público, que acaba tendo tempo de sobra para esquecer qual fora o foco anterior da narrativa, perdendo a conexão que os ligaria ao tema seguinte e causando até mesmo certa confusão.

Quando se trata de Fernanda Young, é impossível não ser tomado pela curiosidade que sua personalidade traz para o público, repleta de visões extremamente únicas sobre a vida e como deseja vivê-la. Através da linguagem do documentário, Susanna Lira faz jus à memória de sua personagem, eternizando seu legado como a grande mente pensante e poética que sempre foi, uma mulher punk em eterna transformação, repleta de histórias para contar.

Trazendo 77 filmes de 34 países, o Festival É tudo Verdade prossegue até 14 de abril em São Paulo e Rio de Janeiro. A programação completa está em etudoverdade.com.br

É tudo verdade, e é tudo gratuito.