“FERRARI” E A ESTÉTICA SEM CONTEÚDO.

Por Rafael G. Bonesi. 

Pode-se esperar uma certa quantidade de clichês ao se assistir a  um filme biográfico. No caso de “Ferrari”, do grande diretor Michael Mann, não é diferente. Acompanhamos um curto trecho da vida de Enzo Ferrari (Adam Driver), já solidificado como um grande dono de fábrica, e muito antes do fim de sua vida. Nesse recorte pequeno de sua história, acompanhamos o momento onde ele beirou a falência, conhecendo um pouco sobre sua família, personalidade e vida pessoal.

“Ferrari” parece acompanhar seu protagonista com pouca vontade, preferindo mostrar outros personagens que se tornam mais interessantes, causando dúvidas sobre onde direcionar o foco. As histórias são contadas com o pano de fundo dos problemas financeiros de Enzo, vemos a queda de seu casamento, o colapso nervoso de sua esposa, sua família secreta e seu mais novo corredor. Todas parecem mais interessantes do que a questão própria da falência, mas nenhuma teria seu mesmo peso se não fosse o tal pano de fundo.

As atuações no filme merecem grande destaque, principalmente Penélope Cruz como Laura Ferrari e o brasileiro Gabriel Leone como Alfonso de Portaga, que, através do seu trabalho delicado e carisma pleno, rouba a cena sempre que aparece. Conquistando destaque mesmo que seu personagem tenha uma relação estritamente profissional com Enzo, Leone mostra que Michael Mann tem maestria em comandar seus atores, mas isso infelizmente não salva o filme de uma narrativa arrastada.

Entre momentos que se conectam por linhas finas e pouco motivadas, o filme consegue surpreender ao nos mergulhar nesse universo, mesmo com o fator distrativo de que todos os italianos conversam em inglês fluente, com forte sotaque.

Michael Mann demonstra que tem um olhar único sobre a câmera, trazendo planos extremamente criativos que se recusam a mostrar momentos por um todo, fazendo closes e planos detalhe destacando trechos inusitados, como queixos, óculos ou a nuca do personagem, nos dando vontade de virar a cabeça para ver o que mais há além.

 

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Tudo ligado aos carros é realizado com grande detalhamento estético, os barulhos dos motores preenchem os ouvidos na sala de cinema, o brilho dos chassis reluz nas câmeras e os carros em alta velocidade deslizam pela tela.

É impossível não destacar todas as cenas de acidentes ao longo da trama. A primeira que vemos infelizmente causa risos por conta da montagem, que tenta demonstrar a frieza de Enzo, mas acaba causando um “efeito Looney Tunes”; a última, entretanto, é o completo oposto, com uma construção de tensão que leva o espectador à ponta da cadeira: a sequência se desenvolve de uma maneira que surpreende mesmo parecendo previsível, sendo impossível desviar o olhar. Neste ponto o filme parece chegar em seu auge, a ansiedade para o que vem a seguir preenche o público, enquanto o filme parece ter pressa para terminar, causando a impressão de que ele existe apenas para a execução daquela única cena.

Acabando de forma agridoce e clichê, com uma cena tocante e as clássicas letrinhas na tela, Ferrari entrega muito potencial mas tropeça em si mesmo. Com atuações incríveis e uma direção criativa, Michael Mann consegue salvar essa história da mediocridade, mas não se protege da ausência de conteúdo.