“FEVEREIROS” EXPLODE EM SONS E CORES DO BRASIL SINCRÉTICO.

Por Celso Sabadin.

Confesso que ao receber o press-release de “Fevereiros” pensei: mais um documentário com Maria Bethânia?  Afinal, desde que – em 1966 – Julio Bressane e Eduardo Escorel dirigiram o curta documental “Bethânia Bem de Perto” – realizou-se um bom punhado de filmes com a cantora. A resposta à minha pergunta veio rápida: “Fevereiros” está longe de ser apenas “mais um documentário com Maria Bethânia”. Pelo contrário, trata-se de um trabalho dos mais talentosos que se utiliza de um recorte “bethaniano” (existe isso?) para retratar fascinantes questões referentes ao sincretismo religioso típico da cultura brasileira.

Dirigido por Marcio Debellian, “Fevereiros” acompanha a cantora desde o Rio de Janeiro, com o vitorioso desfile da Mangueira em sua homenagem, até Santo Amaro da Purificação, interior baiano, sua cidade natal. Motivo: os festejos religiosos que ocorrem na região entre o final de janeiro e o início de fevereiro, a época mais importante do ano para Bethânia. Neste período de poucos dias, o recôncavo baiano se ilumina e se enfeita com intensas e diversas festas de cunho religioso que misturam – com uma intensíssima riqueza cultural – variados elementos do candomblé e do catolicismo.

O filme resgata antigas imagens destes eventos, ao mesmo tempo em que documenta as atuais peregrinações sócio-culturais-religiosas da cantora neste seu habitat afetivo-natural onde se sente livre, leve e feliz como em nenhum outro canto do planeta.  É um ambiente onde a música predomina bela e autêntica, de uma maneira como quase não se ouve mais, e as cores explodem num esplendor popular igualmente de rara observação.

Ao contrapor a religiosidade incondicional de Bethânia ao ceticismo crítico de seu famoso irmão Caetano, “Fevereiros”  torna-se ainda mais rico, na medida em que abre a importante e interessante discussão – cada vez mais necessária neste país –  sobre a atuação e a dominação das forças religiosas e da maneira como elas se impõem principalmente sobre as camadas mais carentes da nossa população.

Uma cena do filme me emocionou em particular: uma imagem de arquivo onde Bethânia e Chico Buarque cantam “A Noite dos Mascarados”. Já tinha visto imagens deste show inúmeras vezes, inclusive na época em que ele foi gravado. Mas desta vez foi diferente. Fiquei pensando em que momento um país que nos deu Maria Bethânia, Caetano Veloso, Chico Buarque, que nos deu Caymmi, Jorge Amado, que nos deu A Noite dos Mascarados, Tropicalismo, Bossa Nova, Festivais, Cartola, Zé Keti, Paulinho da Viola…. em que momento este país se transformou em sua pequenez sórdida de hoje? Em que momento deixamos os ratos escondidos no porão chegar à sala de estar, junto com as outras pessoas da sala de jantar, preocupadas em nascer e morrer? Em que momento tudo escureceu e ficou tão tacanho, tão mesquinho? Quando e como deixamos tudo isso acontecer?

“Fevereiros” já rodou por cerca de 30 festivais pelo mundo, incluindo Canadá, França, Rússia, Suíça, Espanha, Itália, Chile, Uruguai, Congo e Senegal. Ganhou  o prêmio de Melhor Filme no 10º IN-Edit Brasil e a Menção Honrosa do Júri na competitiva Ibero-americana do 36º Festival Internacional do Uruguai.