FORÇA FEMININA E TRADIÇÃO SE ENCONTRAM NO BELO “AMA-SAN”.

Por Celso Sabadin.

Estão cada vez mais borradas as fronteiras entre a ficção e o documentário. Ou se criam novos rótulos para novos gêneros, ou se abandona de uma vez esta ideia de querer colocar tudo em gavetinhas.  O longa Ama-San”, por exemplo, se apresenta como documentário, mas se alguém me dissesse que era ficção, eu acreditaria do mesmo jeito.

O filme tem aquele estilo meio franco-belga, com cara de irmãos Dardenne, no qual uma sutil câmera-observadora estabelece fortes laços de cumplicidade com os personagens que capta, criando uma intimidade silenciosa com o público.

O tema, no caso, é inusitado, pelo menos para nós, brasileiros: mulheres pescadoras. Acostumados a histórias sobre homens pescadores que se lançam ao mar, enquanto suas parceiras amargam a espera em terra firme, somos brindados com a realidade de Wagu, uma pequena vila na Península japonesa de Ise, onde as mulheres mantêm viva uma tradição de 2 mil anos: a pesca do abalone, molusco ao qual se atribuem várias propriedades curativas tanto físicas como espirituais. Das cerca de 50 mulheres que atualmente exercem esta atividade em Wagu, o filme se concentra num grupo formado por 7 delas, juntas há 30 anos.

A direção da portuguesa Cláudia Varejão investiga a fundo (sem trocadilho) o cotidiano destas mergulhadoras/pescadoras, suas relações familiares, a amizade que as une, e as contradições que se estabelecem entra as raízes milenares da tradição e as exigências da contemporaneidade. Tudo emoldurado por belas imagens do local, tomadas submarinas que surpreendem pela não utilização de cilindros de oxigênio pelas mergulhadoras, e por uma bem-vinda sutileza narrativa que embala de maneira quase hipnótica a celebração do mar como metáfora da vida.